A agonia do terceiro ano
Dia de simulado de vestibular. Antes da prova, os alunos andam pelos corredores da escola tensos, tentando lembrar as fórmulas que podem cair na prova. Uns poucos conversam em voz alta sobre a festa que acontecerá no outro dia. Mas nem estes estão calmos.
À medida que se aproxima a hora de enfrentar o teste, o riso vai dando lugar a olhares inquietos. Unhas na boca, braços cruzados na defensiva. Todos sabem que estão lá para ser avaliados. Avaliados e comparados à concorrência, porque não basta se sair bem na prova. É preciso ser melhor que os outros.
E veja que estamos falando apenas de um simulado, que não reprova e nem vale nota. Mas nem isso serve de consolo para os alunos do 3º ano, sempre à beira de um ataque de nervos. Também, de repente eles parecem ter se tornado o centro das atenções do universo.
É como se pais, amigos, namorados e conhecidos esperassem algo deles. E é preciso atender às expectativas de todos. Pior: os estudantes sentem-se obrigados a escolher a carreira que querem seguir pelo resto de suas vidas (pelo menos eles pensam que é assim). Para completar, existe ainda o medo do desemprego, depois do suado diploma.
Tanta pressão é capaz de enlouquecer qualquer pessoa. Até mesmo um adulto com anos de terapia ficaria angustiado diante de tantas decisões importantes. Imagine então um adolescente, que ainda não tem maturidade suficiente para perceber que nada é tão ruim que não possa ser mudado com o tempo. Para eles, esse é o momento do tudo ou nada. Ou vencem ou serão fracassados. Exagero? Talvez. Mas é assim que eles se sentem…
Mesmo os que se dizem tranqüilos, como Hernani Fernandes e Ana Carolina Loureiro, na hora da prova ficam estressadíssimos. ‘‘Ainda não me conscientizei de que agora é pra valer’’, entrega Hernani. ‘‘Acho que só vou cair na real semestre que vem.’’
O 3º ano é uma espécie de fase decisiva na vida dos jovens brasileiros. Por isso, eles se comportam como se o mundo estivesse prestes a desabar sobre suas cabeças. É um tal de chorar pelos cantos, se trancar no quarto, pedir para ser deixado em paz e passar 24 horas por dia respirando vestibular. ‘‘Não tem como pensar em outra coisa’’, diz Natasha Dalcomo, 17 anos, estudante do Sigma e candidata a uma vaga para Medicina. ‘‘Eu vivo nervosa, acho que não vou conseguir passar.’’
Milena (nome fictício) vive situação ainda pior. A menina loura, de olhos claros, perdeu peso, tem olheiras e desenvolveu uma gastrite nervosa em três meses de aula. Olhos arregalados, morde os lábios e estala os dedos compulsivamente. A aparência angustiada se deve à estranha bebida que toma todas as noites. Uma mistura de café com pó de guaraná que a deixa acordada durante a madrugada.
PAIS VERSUS FILHOS
Casos como o de Milena são mais comuns do que se pensa. Despreparados para lidar com o estresse, muitos adolescentes ultrapassam os próprios limites. Débora Moraes, coordenadora do ensino médio do Galois, conta que uma das alunas do 3º ano desenvolveu síndrome de pânico e simplesmente não conseguia mais entrar na sala de aula. Solução?
Enviar a garota para um psicólogo e conversar com a família. Isto porque alguns pais são os grandes responsáveis pela tensão dos filhos. Eles cobram boas notas, aprovação imediata e chegam ao extremo de querer ajudar a escolher a carreira dos rebentos. ‘‘Teve pai que já veio nos pedir para convencermos o aluno a seguir certa profissão, um absurdo’’, recorda.
É claro que nem todos os pais são tão diretos. Alguns deles nem abrem a boca para falar sobre vestibular. Em contrapartida, lançam olhares de reprovação e contam (sempre que podem) o quanto o amigo de trabalho está orgulhoso do sobrinho que passou em medicina. ‘‘Esse tipo de pressão é pior que as broncas’’, diz a psicóloga Enid Duarte, que trabalha com prevenção ao estresse. ‘‘Esse tipo de atitude leva os estudantes terem medo de decepcionar os pais.’’
Isabela Boren, 16 anos, convive diariamente com essa situação. Os pais sempre a comparam com o irmão mais velho, que passou no Programa de Avaliação Seriada (PAS) para Desenho Industrial. ‘‘Minha mãe e os professores ficam o tempo todo falando como ele é inteligente. E isso me deixa insegura, porque eu não sei se vou passar de primeira’’, diz a candidata a uma vaga em Medicina.
Também há outro tipo de pai que deixa os vestibulandos angustiados: o extremamente confiante, que não tem dúvidas do potencial dos filhos. Karen Martins, 17 anos, é filha de um deles. ‘‘É claro que ela vai passar’’, diz Eulálio, pai da menina.
‘‘Afinal, ela é estudiosa, responsável e só tira notas boas.’’ Essa atitude, em vez de deixar o adolescente tranqüilo, é capaz de enlouquecê-lo. Karen está apavorada com a possibilidade de não entrar na Engenharia Elétrica. Para ela, isso significaria trair a confiança do pai.
SOFRIMENTO DE MÃE
Nem sempre os pais são os vilões da história. A grande maioria estressa os filhos sem querer, por não saber lidar com a situação. A fonoaudióloga Lira Azevedo, por exemplo, nunca sabe o que dizer à filha Débora, de 16 anos. Às vezes, ela acha que a menina estuda demais e pede para ela descansar. Por outro lado, quando a vê sem fazer nada a manda correndo de volta para os livros. ‘‘No fim das contas, a gente também fica estressada porque acaba sofrendo com eles’’, garante.
De fato, a rotina de Débora é de partir o coração de qualquer mãe coruja. A menina vai para a escola de manhã e só sai à noite. Em casa, continua dando uma olhada nos livros. O sábado é reservado para o cursinho preparatório da prova específica de arquitetura. No domingo, sobram duas ou três horas para se divertir. Nessas ‘‘folgas’’, a menina vai direto para Internet. ‘‘E minha mãe ainda reclama porque acha que eu deveria estar estudando mais’’, desabafa. Lira se defende e diz que não cobra por maldade, apenas por insegurança.
A mãe de Natasha, Maria de Fátima Dalcolmo, por sua vez, parece ter encontrado a maneira ideal de lidar com a angústia da filha. A receita é dar muito carinho. Mais nada. ‘‘Eu já passei por um vestibular e sei o quanto é estressante’’, explica. ‘‘Mas também sei que esse nervosismo é bom, pois irá ajudá-la a crescer.’’ O cuidado parece dar resultado. Não que Natasha esteja sofrendo menos, mas pelo menos vê na mãe um porto seguro, que não faz cobranças ou exigências.
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