Mitos e verdades da profissão de cozinheiro
“Ter o pé na cozinha” já foi expressão pra lá de preconceituosa.
Hoje, é o sonho de muita gente por aí, que anda de porta em porta de
restaurante (a porta dos fundos, diga-se) à procura de um espaço para
mostrar seus dotes, seu talento, sua arte. Ultimamente, a profissão de
cozinheiro anda tão revestida de glamour que qualquer um com jeito pra
coisa leva o pensamento às alturas ao se imaginar no comando de um
restaurante: capas de revista e programas na tevê, diversão, dinheiro,
reconhecimento, prêmios, badalação e muito mais. Mas quem trabalha na
área adverte: é bom pôr os pés no chão.
“O
fogão é para pouca gente. Não tem fogão para todo mundo, e nem talento
suficiente para os fogões que há por aí”, observa o renomado chef Celso
Freire, proprietário dos restaurantes Boulevard e Zea Maïs, em
Curitiba, e coordenador do curso de Gastronomia da PUC-PR. Freire, há
20 anos no ramo, diz que a profissão nunca esteve tão elitizada como
hoje. “Todo mundo acha que é fazer o curso e colocar aquela roupa –
que, quando eu comecei, todo mundo tinha vergonha de usar e hoje
ninguém quer tirar.”
O primeiro mito que envolve a profissão diz respeito ao título de
chef: por se tratar da posição mais alta na hierarquia da cozinha, não
é fazendo um curso que a pessoa vira chef. Antes disso, é preciso
batalhar muito, nas funções mais básicas que envolvem a preparação de
um prato. E quem investiu bastante num curso, comprou roupa, sapato de
cozinheiro e faca especial de repente vai se ver às lágrimas
descascando cebolas. Ou nem isso.
Além de batalhar na cozinha, fora dela é preciso estar sempre
atualizado. Um bom chef, orientam os especialistas, precisa ler um
bocado, fazer cursos, viajar quando possível. A criação de um prato, a
harmonização de entradas, pratos principais, sobremesas, bebidas, tudo
isso consome semanas ou meses de pesquisa. Trabalha-se, portanto,
dentro do restaurante e fora dele.
Mas é principalmente lá dentro que a paixão pelas panelas é
diariamente testada. “São oito, nove horas em pé, e tem que fazer todos
os trabalhos, e ainda lavar a própria louça e a própria roupa. Além
disso, faz calor, são várias chamas acesas, e muita cozinha por aí não
tem nem janela. E aí você fica lá, suando, o dia inteiro”, conta a
historiadora Ana Paula Nadalini, atualmente cursando mestrado em
História da Alimentação na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ela,
que fez o curso de Chef de Cuisine no Centro Europeu, em Curitiba e já
trabalhou em renomados restaurantes da cidade, exemplifica algumas das
inverdades sobre a profissão.
Entre elas está a remuneração – hoje, Ana Paula se dedica
exclusivamente ao mestrado, e recebe uma bolsa do governo federal, cujo
valor é maior do que o que ela recebia em qualquer um dos restaurantes
em que trabalhou. “A mão-de-obra qualificada é nova, e há a
concorrência com essa mão-de-obra excedente que temos no Brasil”,
complementa a chef-proprietária da Oli Gastronomia, Geraldini Miraglia.
Por conta disso, a remuneração, até mesmo em funções não tão
básicas, não é dos melhores – principalmente no início da carreira. “O
mercado está aquecido, mas em muitos casos a remuneração não é
adequada”, diz o coordenador do curso de Chef de Cuisine e Restarateur
do Centro Europeu, Sandro Duarte. O chef Celso Freire concorda: “A
remuneração é extremamente baixa, e a jornada de trabalho é
estressante.”
Duarte, do Centro Europeu, conta que, sempre no primeiro dia de
aula, os professores deixam bem claro para os alunos como é o curso e a
realidade da profissão. “As coisas estão mudando. Mas no Brasil ainda
há o preconceito de que só os estrangeiros são bons.” A própria procura
pelo curso da instituição mostra como a profissão está na moda. Quando
o curso começou, há dez anos, eram apenas duas turmas. Hoje, são 450
alunos matriculados em 13 turmas.
Um outro mito que costuma seduzir os interessados pela gastronomia é
o de que, sabendo cozinhar, qualquer um pode abrir um restaurante. Os
especialistas no assunto advertem: cozinhar é uma coisa, administrar um
negócio é outra. “Precisa ter tino empresarial e dinheiro no bolso.
Muito provavelmente o dono do restaurante não consegue cozinhar”, diz
Geraldini, da Oli. Poucos são os que conseguem sucesso fazendo as duas
coisas.
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