NÃO COLOCO MEUS FILHOS NA ESCOLA
Ex-frade dominicano, pedagogo, filósofo, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), mestre e doutor em Educação, o carioca Luiz Carlos Faria da Silva, 51 anos, está disposto a entrar na Justiça para ter o direito de educar os filhos em casa, de 10 e 8 anos. Convencido de que a degeneração “absoluta, completa e irrestrita da família” e a reforma educacional fundamentada nas correntes pedagógicas construtivistas de Jean Piaget e Vigostki, que passaram a orientar o sistema educacional brasileiro a partir da década de 80, são as principais responsáveis pela queda no desempenho escolar e cognitivo dos alunos, Silva quer educar os filhos longe da escola, pelo menos até a sétima série do ensino fundamental. Eles já não freqüentam a escola desde o início do segundo semestre deste ano.
Na tarde de quinta-feira, em seu apartamento próximo à UEM, acompanhado pela esposa, também pedagoga, enquanto os filhos brincavam no quarto com uma amiguinha, Silva expôs com detalhes as razões que fundamentam sua decisão na seguinte entrevista, demonstrando calma e tranqüilidade se tiver de enfrentar a Justiça. “Qual juiz vai ter a coragem de dizer que eu não posso educar meus filhos em casa se eu apresentar todos os argumentos?”
Falar em respeito com uma criança hoje é a mesma coisa que falar em chinês com um alemão que nunca ouviu uma palavra em chinês. Elas não compreendem.
Eu pago para a escola ensinar e tenho que corrigir em casa o que a escola faz errado. E não adianta mudar. A mudança só seleciona o grupo social com qual seu filho vai se relacionar.
O Diário – Por que você decidiu educcar seus filhos em casa?
Luiz Carlos Faria da Silva – Estou na educação há muito tempo e uma coisa que chama a minha atenção é a queda no desempenho escolar e cognitivo dos alunos, sobretudo do universitário. É assustador. Se você entra hoje em qualquer faculdade e faz perguntas sobre a história do Brasil, sobre os acontecimentos políticos da história do Brasil, literatura, ciências, política ou economia, ninguém sabe nada.
O que ocorreu?
Parece que é óbvio. Deve-se estudar menos e deve-se aprender menos.
Tem a ver com a qualidade com o que se investe na formação de professores, na condição que se dá para o ensino?
Nenhuma dessas hipótestes. Eu vejo que estamos colhendo o resultado de 25 anos de reforma educacional implantada pós-redemocratização do País. Parecia que o remédio para todas as áreas, educação e saúde principalmente, era a democratização. No início dos anos 80, políticos de esquerda ou em aliança com a esquerda foram eleitos governadores de Estados importantes, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Ocorreu que as áreas sociais do governo ficaram, senão sob o controle, sob a hegemonia do pensamento de esquerda. Dali para cá, uma certa concepção de educação se espalhou e se aprofundou no Brasil. No meu entender, nós estamos colhendo os frutos dessa reforma educacional.
E o quê na sua opinião foi equivocado?
Na minha opinião, não. Os fatos mostram que, além de equivocada, é errada mesmo. É claro que a maioria dos meus pares não compartilha com esse diagnóstico que faço, porque eles ainda, de alguma maneira, continuam olhando o processo educacional a partir das mesmas referências ou próximas àquelas usadas para pensar a educação naquela época.
Podemos comparar a educação antes de 1980 e depois?
Não sou daqueles que diz a educação era muito melhor, hoje é pior. Não sei se é muito pior, não, ela é diferente. Agora, ela produz menos resultados. No que ela piorou foi porque, a partir dos anos 80, começamos a contar com um instrumento de disseminação de idéias nefastas muito mais forte do que antes. E essas idéias já estavam presentes desde o início do século 20.
E quais são essas idéias?
As pessoas esquecem que a escola trabalha com determinada matéria-prima. Se o aluno chega completamente desestruturado, com maus hábitos, o trabalho que a escola pode fazer é A. Se o aluno chega com referência, contido, com uma certa percepção do que pode fazer, o trabalho da escola é B. Há 40 anos, a matéria-prima era outra. Houve uma degeneração absoluta, extensiva e completa da família. Hoje em dia, os pais têm medo e vergonha de mandarem nos filhos. Por outro lado, os filhos não olham mais para os pais como alguém a quem eles devessem alguma satisfação.
E respeito.
Falar em respeito com uma criança hoje é a mesma coisa que tentar falar em chinês com um alemão que nunca ouviu uma palavra em chinês. Eles não compreendem. Entendem as palavras, mas não a representação de mundo. E aí, tem duas coisas: esse processo acelerado de destruição da base do comportamento social, que está na relação cotidiana com os progenitores, e o tipo de interferência que algumas idéias tiveram na organização educacional brasileira. Sobretudo a concepção construtivista do aprendizado, que pode ter uma versão baseada na psicologia genética do Jean Piaget ou baseada no sócio-interacionismo do Vigotski.
Esses autores são muito utilizados.
Eles não são muito utilizados. Eles são absoluta e completamente hegemônicos no Brasil. Existe uma ditadura, um pensamento único pedagógico no País. A Constituição Federal diz que um dos princípios da educação brasileira é a pluralidade de concepções pedagógicas. Isso não existe. Eu desafio você a colocar seu filho em uma escola que não seja construtivista.
O que o construtivismo prega?
Não se sabe. Ninguém sabe. Faça essa pergunta a dez educadores construtivistas. Cada um vai dar uma resposta diferente. É difícil lidar com uma corrente pedagógica que ninguém sabe o que é.
E por que ela vingou tanto?
Porque ela é simpática, é de acordo com o espírito do tempo. E este é o espírito da emancipação. Da mulher, da criança, no trabalho. Como se fosse possível ser emancipado sempre, todo o tempo e em todas as circunstâncias. A vida não é assim. Eu também professei essas idéias, mas passei a desconfiar que essa teoria não funcionava. Tivemos filhos e combinamos de não colocar as crianças na escola antes dos sete anos.
Eles chegaram a ir para a escola?
Sim, aos sete tiveram que ir. E foram sabendo ler, escrever e contar. Passaram um ano na escola e aí começou o problema. Eu pago para a escola ensinar e tenho de corrigir em casa o que a escola faz errado. E não adianta mudar de escola. A mudança só seleciona o grupo social com o qual seu filho vai se relacionar ou a faixa de gasto que você vai ter. A qualidade do ensino não muda.
E como está a qualidade?
O sistema de avaliação da educação básica diz que uma criança que passa quatro anos na escola tem que ter pelo menos 250 pontos na quarta série. Sabe qual é a média das escolas privadas no Paraná? 220. Os pais não sabem disso. A média das escolas estaduais é 30 pontos abaixo, das escolas municipais, 60 pontos abaixo. Mas isso não significa que a escola privada seja boa. Quer dizer, do ponto de vista instrucional, que a escola deixa a desejar. E do ponto de vista educacional, a escola quer fazer a cabeça do meu filho contra as minhas concepções morais.
De que forma?
Vem a professora — que não tem culpa, porque aprende isso na universidade — e conta a fábula da cigarra e da formiga. Ora, a fábula foi montada para dar uma lição. Aí a professora manda fazer uma releitura — olha aí o emancipacionismo –, e a criança vem para casa dizendo que ser cigarra também é legal. E a criança começa a ser discriminada tacitamente, porque tem família, porque respeita o professor, porque não faz bagunça, porque tira boa nota. Porque hoje o padrão é o vagabundo. Então, está tudo invertido.
Por isso você os tirou da escola?
Tirei porque o estado brasileiro me informa oficialmente, por intermédio do sistema de avaliação da educação básica, que a probabilidade do meu filho chegar à 4º série com desempenho inferior ao mínimo desejado ou necessário é muito alta, independentemente dele estudar em ma escola da rede municipal, estadual ou privada.
Eles ficaram quanto tempo?
O menino ficou dois anos, a menina um ano e meio. Tirei porque não dava mais. Não quero que a escola eduque meus filhos. Quero que a escola instrua. Quando os tirei, o poder público veio em cima de mim, pressionando para colocá-los de volta. Minha esposa relutou um pouco, mas acabamos colocando em uma escola pública. Já que a gente teria de ensinar em casa, ia pagar para quê? Eles ficaram dez dias na escola.
Como está a situação?
Pedi à escola que eles só fossem fazer as provas. A escola consultou o Núcleo e a resposta foi negativa. Recorri da decisão à Secretaria Estadual de Educação, que também disse não. Estamos recorrendo novamente e estou disposto a ir à Justiça para garantir o direito que eu e minha esposa temos, como pai e mãe, de educar os nossos filhos como nós queremos. Em alguns países isso é comum.
E se você perder o recurso?
Não vou colocá-los na escola. Qual é o juiz que vai ter a coragem de dizer que não posso educar meus filhos em casa se eu apresentar todos os argumentos?
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