Reservas Extrativistas
A defesa do extrativismo na Amazônia: as
Reservas Extrativistas
Os governos dos estados da Região Norte, a
partir de 1960, desenvolveram ações a fim de atrair empresários
do Centro-Sul do pais que viessem implantar empreendimentos na área
rural. No Acre, nos municípios de Rio Branco, Sena Madureira, Plácido
de Castro, Senador Guiomard, Xapuri e Brasiléia, muitos
seringais foram transformados em pastos para gado, ou abandonados.
Por outro lado, consideráveis glebas de terra onde moravam
seringueiros foram adquiridas pelo Governo Federal para
loteamentos de Reforma Agrária.
Para poder concretizar estas transformações,
muitos seringueiros foram expulsos com violência das suas
moradias e saíram à procura de novas áreas. Assim eles
ocuparam seringais abandonados ou glebas do governo. Estes
seringueiros ficaram sem patrão e deram origem ao “SERINGUEIRO
AUTÔNOMO”, entendido como tal, aquele que não tem um patrão
fixo ao qual seja obrigado a entregar a produção por ser o dono
da terra.
Esta autonomia faz referência ao antigo seringalista,
pois o seringueiro continua dependendo dos comerciantes para o
abastecimento e comercialização da produção. É uma autonomia
muito relativa, porém importante porque, do ponto de vista
social, permite-lhe a tomada livre de decisões e é o começo
para a conquista de uma autonomia mais ampla.
Foram os seringueiros autônomos de Rio
Branco, Xapuri e Brasiléia os primeiros a saírem em defesa do
extrativismo, organizando-se desde 1976, para impedir novos
desmatamentos de áreas extrativas; estes movimentos foram
chamados de “EMPATES” e se estenderam a outras regiões
do Acre e mesmo a outros estados (Amazonas e Pará).
Os conflitos entre fazendeiros e
seringueiros chamaram a atenção da opinião pública,
especialmente depois da morte do presidente do sindicato dos
trabalhadores rurais de Brasiléia, Wilson de Souza Pinheiro, em
1978. Estes mesmos conflitos posteriormente foram a causa do
assassinato, por fazendeiros, do presidente do sindicato dos
trabalhadores rurais de Xapuri, Chico Mendes, em 1988.
O Governo Federal começou a refletir sobre
a possibilidade de defender o extrativismo, a partir de 1982,
quando, no Acre, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, INCRA, e a Superintendência da Borracha, SUDHEVEA, se
encontraram frente ao impasse causado pelos projetos de colonização,
chamados de Assentamentos Dirigidos, pois os retângulos criados
pelo INCRA para assentar colonos desestruturavam o esforço que a
SUDHEVEA fazia para aumentar a produção de borracha dos
extrativistas, uma vez que o retângulo cortava e desmembrava a
“colocação”, unidade de produção do seringueiro,
formada pela dispersão natural e sinuosa das espécies vegetais.
Esta situação deu origem a sérios conflitos entre os vizinhos.
Com a participação dos extrativistas e
das lideranças sindicais de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia foi
possível chegar ao consenso de que o mais importante não era
ter um título de propriedade individual de uma parcela, mas
conservar a capacidade produtiva da floresta e, portanto, não
era necessário cortar a terra em pedaços simétricos e
retangulares, mas, talvez, encontrar uma forma de assegurar a
permanência das famílias nas suas “colocações”
exercendo a atividade extrativista. As duas instituições
propuseram como solução a “Concessão Real de Uso” do
seringal aos seus moradores. Para iniciar, foram propostos, a título
de experiência, os projetos Boa Esperança em Sena Madureira e
Santa Quitéria em Brasiléia. Infelizmente, por falta de
continuidade administrativa nas duas instituições, a proposta não
vingou. Houve isso sim, um ponto positivo: foram paralisados os
assentamentos tradicionais nos dois projetos e assim muitos
seringueiros continuaram nas suas colocações.
O aspecto mais importante a analisar
durante esta recente evolução histórica do extrativismo é que
a prática dos “EMPATES” impetitivos dos desmatamentos,
serviram de substrato para o amadurecimento político e social
dos extrativistas, na medida em que o “EMPATE” exigia
organização e coesão. Estas duas forças foram encontradas
mediante o fortalecimento do sindicalismo em cujo seio, e diante
da necessidade de manter a união, foi aceito e amadureceu o
princípio da “concessão de uso coletiva”. É preciso
reconhecer que em 1980, influenciados, talvez, pelo processo de
parcelamento da terra promovido pelo Governo, os extrativistas
desejavam ter lotes individuais. Até hoje há uma minoria que não
assimila bem a ideia de não ter um título de propriedade
individual de uma parcela.
Em 1985, os seringueiros reunidos em Brasília
no seu Primeiro Encontro Nacional, solicitaram que se acabasse
com a colonização dos seringais e que estes lhes fossem dados
em concessão, para que assim pudesse ser mantido o extrativismo.
Este pedido visava também solucionar a questão fundiária e
proteger a floresta contra as ameaças do desmatamentos, para
implantar a exploração pecuária.
Este Encontro de Seringueiros é o marco
histórico para a oficialização do pedido da criação de
“Reservas Extrativistas”. Nesta ocasião, a ideia foi
amplamente debatida e assimilada pelos participantes, que
provinham de diferentes regiões, especialmente da Amazônia.
É importante ainda salientar que em 1985,
no Brasil estava sendo lançado o Plano Nacional de Reforma Agrária
e todas as atenções da sociedade estavam voltadas para este
tema. A proposta de criação das Reservas Extrativistas,
apareceu então, como a “Reforma Agrária” para os
extrativistas, na medida em que a sua criação deveria ser uma
forma de legitimar a posse, e de reconhecer os direitos à terra
daqueles que nela trabalhavam e viviam há muitos anos. Conclui-se,
portanto, que as Reservas Extrativistas, historicamente foram uma
proposta, no espírito da Reforma Agrária, isto é, para que a
terra cumpra a sua função social.
O segundo grande objetivo das Reservas
Extrativistas, a defesa do meio ambiente, estava implícito no
primeiro, uma vez que a conquista da terra objetivava manter o
extrativismo, e a manutenção do mesmo exigia o respeito à
floresta e aos seus recursos.
A partir do primeiro encontro de
seringueiros, o INCRA passou de novo a se preocupar com o
problema. Propôs então como solução através da Portaria N°
627, de 30 de julho de 1987, a criação do Projeto de
Assentamento Extrativista – PAE, “destinado à exploração
de áreas dotadas de seringais extrativos através de atividades
economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, a serem
executadas pelas populações que ocupam ou venham a ocupar as
mencionadas áreas”. A Portaria estabelecia que a destinação
da área fosse “mediante concessão de uso em regime comunal,
segundo a forma decidida pela comunidade concessionária –
associativa, condominial ou cooperativista”.
Este ato oficial do INCRA significava a
incorporação das Reservas Extrativistas (sob o nome de Projetos
de Assentamentos Extrativistas – PAE), ao Plano Nacional de
Reforma Agrária. Até abril de 1994 foram criados 10 projetos de
assentamento extrativista, 5 no Acre, 3 no Amapá e dois no
Amazonas, totalizando 889.548 ha. Apenas 3 deles, no Acre,
receberam apoio para sua implantação.
Os movimentos sociais participaram desde o
início na luta pela defesa do extrativismo e pela procura de
soluções, inicialmente para a questão fundiária. Aos poucos
as reivindicações foram canalizadas através do Conselho
Nacional dos Seringueiros (CNS), criado em 1985. Diante do
imobilismo dos Projetos de Assentamento Extrativista e diante da
pressão social, a nível nacional e internacional pela preservação
das florestas, o CNS além de continuar insistindo na criação
de Reservas Extrativistas como forma de fazer Reforma Agrária
para os extrativistas, passou a defender as reservas como “espaços
territoriais destinados à utilização sustentável e conservação
dos recursos naturais renováveis”. Esta foi uma nova
conquista, pois os extrativistas passaram a melhor entender e
defender o cunho ecológico da proposta. Pode-se afirmar que a
“praxis” passou a ser teorizada pelas próprias bases.
O Governo Federal também avançou,
mediante a legitimação da Reserva Extrativista no âmbito da
política nacional do meio ambiente, possibilitando sua criação
a partir da Lei N° 7.804, de 18 de julho de 1989, e
regulamentando-a através do Decreto N° 98.897, de 30 de janeiro
de 1990. Segundo esta legislação a instituição responsável
pelas reservas é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais IBAMA. Segundo a Portaria N° 22-N, de 10 de
fevereiro de 1992 do IBAMA, o órgão gestor das questões
relativas às reservas é o Centro Nacional de Desenvolvimento
Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT.
Até Setembro de 2000 foram criadas 15 (quinze)
Reservas Extrativistas.
Conceituação oficial das reservas
extrativistas
Oficialmente, conforme o Decreto N° 98.897,
é a seguinte a conceituação de Reservas Extrativistas:
Art. 1°. As Reservas Extrativistas são
espaços territoriais destinados à exploração auto-sustentável
e conservação dos recursos naturais renováveis, por população
extrativista.
Art. 2°. O Poder Executivo criará
Reservas Extrativistas em espaços territoriais considerados de
interesse ecológico e social.
Parágrafo Único – São espaços
territoriais considerados de interesse ecológico e social as áreas
que possuam características naturais ou exemplares da biota que
possibilitam a sua exploração auto-sustentável, sem prejuízo
da conservação ambiental.
Art. 3°. Do ato de criação constarão
os limites geográficos, a população destinatária e as medidas
a serem tomadas pelo Poder Executivo para sua implantação,
ficando a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, as desapropriações que
se fizerem necessárias.
Art. 4°. A exploração auto-sustentável
e a conservação dos recursos naturais será regulada por
Contrato de Concessão Real de Uso, na forma do artigo 7° do
Decreto-lei N° 271, de 28 de fevereiro de 1967.
Inciso primeiro – O direito real de uso
será concedido a título gratuito.
Inciso segundo – O contrato de concessão
incluirá o plano de utilização aprovado pelo IBAMA e conterá
cláusula de rescisão quando houver quaisquer danos ao meio
ambiente ou a transferência da concessão “inter vivos”.
Art. 5°. Caberá ao IBAMA supervisionar
as áreas extrativistas e acompanhar o cumprimento das condições
estipuladas no contrato de que trata o artigo anterior.
É fácil deduzir que segundo o Decreto, as
Reservas Extrativistas não podem ser modelo de desenvolvimento
para todo o Brasil. Elas são válidas, apenas, para algumas regiões
onde houver as condições constantes no Decreto
1. Existência de recursos naturais
renováveis e de populações extrativistas.
2. Espaços territoriais considerados
de interesse ecológico e social.
3. Garantia de auto-sustentabilidade
mediante a aprovação, pelo IBAMA, de um plano de utilização.
A realidade das reservas até agora criadas,
o debate com os moradores das mesmas, a análise das atividades
econômicas por eles praticadas, junto com as propostas e anseios
por eles manifestados, tem alimentado a evolução dos conceitos,
consolidando os seguintes princípios de entendimento sobre as
reservas:
- O extrativismo não é a única
atividade econômica da Reserva, embora atualmente seja
sua base de sustentação;
- A melhoria das condições de vida dos
moradores deve ser buscada através do incremento e
melhoria das atividades extrativistas e agro-pastoris
praticadas e através da introdução de novas atividades
que não causem impacto ambiental;
- entre as ações a incrementar, citam-se:
– aumentar a produção e a
produtividade dos produtos florestais existentes;
– melhorar o sistema de comercialização;
– agregar valor aos produtos,
incentivando o processamento local;
- incrementar atividades agro-pastorais,
aproveitando os roçados já existentes.
- a base da mudança a realizar deve ser
o associativismo, capaz de fazer a gestão da Reserva de
forma co-participativa;
- o associativismo deve encontrar as fórmulas
para conquistar a independência no abastecimento e na
comercialização.
Evolução conceitual do extrativismo
Até início do século XIX, com relação
ao extrativismo, o mundo era dominado pelas ideias dos
naturalistas, embalados pelo sucesso da Botânica, da Zoologia,
das descobertas científicas e das grandes expedições à África,
Ásia e América Latina. Falava-se então muito da “mãe
natureza” e das imensuráveis riquezas nela contidas.
Com o advento da Revolução Industrial e
especialmente através da influência do materialismo histórico
de Marx, que fazia tudo depender da ordem econômica, motor de
todos os acontecimentos, as riquezas naturais passaram a chamar-se
de “matérias primas”, indispensáveis para saciar a
fome louca de transformá-las em novos produtos e assim
satisfazer as ambições de consumo e exportação.
Naquela época as matérias primas eram
tidas como inesgotáveis e seu consumo como controlável pela ação
do homem.
Um século depois, com o avanço da
tecnologia, o crescimento populacional e a utilização excessiva
das “matérias primas”, o homem começou a mudar seus
conceitos sobre o extrativismo. A primeira constatação foi que
os recursos naturais não são inesgotáveis, que é preciso
reproduzi-los para que permaneçam e mesmo cheguem a outras gerações.
Assim surgiu a ideia de sustentabilidade e de que se deve
praticar um desenvolvimento sustentável. O extrativismo foi
enquadrado neste novo conceito.
No caso concreto do Brasil, onde a defesa
dos recursos naturais extrativos surgiu da luta dos extrativistas
pela terra, o objetivo a conquistar não foi apenas um
desenvolvimento sustentável, mas, “SOCIALMENTE JUSTO”.
A Reserva Extrativista deve conservar esta característica de
concretização da justiça, mediante a atribuição da terra a
aqueles que secularmente ali habitam e a defendem.
A evolução conceitual do extrativismo no
Brasil, mediante a participação direta dos extrativistas,
chegou a este avanço importante, consolidando a Reserva
Extrativista não apenas como uma conquista ecológica, mas
especialmente como uma conquista social.
Podemos considerar as Reservas
Extrativistas como uma das metas alcançadas, dentro da evolução
histórica do extrativismo, uma vez que elas sintetizam vários
ideais perseguidos pela sociedade contemporânea:
- Equilíbrio entre desenvolvimento,
conservação do meio ambiente e justiça social;
- Participação da sociedade como
agente e não como objeto do processo. As reservas são
auto-geridas pelos moradores;
- Resgate e aperfeiçoamento do saber
popular, pois o plano de utilização das Reservas tem
como base a experiência e sabedoria dos moradores que
durante muitos anos ali convivem harmonicamente com a
natureza;
- Diminuição dos custos de proteção
das florestas, uma vez que os moradores se constituem em
seus defensores.
Dentro deste quadro de evolução do
extrativismo, a criação das Reservas Extrativistas é apenas
uma etapa. E preciso continuar evoluindo, implementando as
Reservas para que seus resultados sejam positivos. Entre as
medidas mais urgentes podem ser citadas:
- Fortalecimento das organizações
locais, especialmente através da capacitação dos
recursos humanos;
- Fornecimento de condições materiais
e ferramentas para a implementação do gerenciamento
cooperativo dos recursos e da atividade extrativa.
- Distribuição do poder sobre os
recursos naturais (Concessão de Uso e Planos de Utilização);
- Libertação dos laços de dependência
dos intermediários (abastecimento de bens, insumos e
comercialização da produção);
- Acréscimo de valor aos produtos extraídos
(beneficiamento ou pré-industrialização);
- Diversificação das atividades econômicas.
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