AUTO DA COMPADECIDA – Ariano Suassuna (Resumo) – Parte 1
O ESTILO DO AUTOR
Entende-se por estilo do Autor a modalidade de manipulação criadora através da qual o escritor cria sua obra. O estilo do Autor, portanto, é a linguagem através da qual o texto alcança sua forma final e definitiva.
Quando se faz a interpretação de uma peça teatral, o estilo do Autor deve ser analisado dentro de uma perspectiva totalmente diferente daquela que adotaríamos para a interpretação do romance, do conto, da novela, do poemas – da Literatura, enfim.
Isso acontece porque a concepção do texto teatral baseia-se na finalidade do mesmo: a representação por atores. Já o texto literário é concebido para ser lido e meditado pelo leitor, assumindo, portanto, outra feição.
Feita essa observação, vamos reparar que Ariano Suassuna procura definir a forma final de seu texto através dos seguintes elementos:
1- O Autor não propõe, nas indicações que servem de base para a representação, nenhuma atitude de linguagem oral que seja regionalista.
2- O Autor busca encontrar uma expressão uniforme para todas a personagens, na presunção de que a diferença entre os atores estabeleça a diferença nos chamados registros da fala.
3- A composição da linguagem é a mais próxima possível da oralização, isto, é, o texto serve de caminho para uma via oral de expressão.
4- Os únicos registros diferentes correm, com indicados no próprio texto, por conta:
a) do Bispo, “personagem medíocre, profundamente enfatuado” (p.72), como se nota nesta passagem:
“Deixemos isso, passons, como dizem os franceses” (p.74).
b) de Manuel (Jesus Cristo) e da Compadecida (Nossa Senhora), figuras desataviadas, embora divinas, porque são concebidas como encarnadas em pessoas comuns, como o próprio João Grilo:
“MANUEL: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar de Jesus, de Senhor, de Deus… Ele / isto é, o Encourado, o Diabo / `gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa pode persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus”. (p.147)
A COMPADECIDA: Não, João, por que iria eu me zangar? Aquele é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, um invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo (p.171).
5- Quatro denominações de personagens referem-se a determinados condicionamentos regionais: João Grilo, Severino do Aracaju, o Encourado (o Diabo) e Chicó. Quanto ao Encourado, o Autor dá a seguinte explicação:
Este é o diabo, que, segundo uma crença do sertão do Nordeste, é um homem muito moreno, que se veste como um vaqueiro. (p.140)
6- Na estrutura da peça, isto é, na forma final do texto é que se revela o estilo do Autor, concebido com o a linguagem através da qual ele cria e comunica sua mensagem fundamental.
A ESTRUTURA DO AUTO DA COMPADECIDA
O estudo do Auto da Compadecida pode ser feito de dois ângulos que se completam:
a) a técnica de composição teatral
b) a estrutura propriamente dita, ou a forma final do texto.
1- TÉCNICA DE COMPOSIÇÃO. Aqui faremos as seguintes observações:
A- A peça não se apresenta dividida em atos. Como o autor dá plena liberdade ao encenador e ao diretor para definirem o estilo da representação, convém anotar que são por ele sugeridos três atos, cuja divisão ou não por conta dos responsáveis pela encenação:
Aqui o espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a entrada do Palhaço (p.71).
Se se montar a peça em três atos ou houver mudança de cenário, começará a aqui a cena do Julgamento, com o pano abrindo e os mortos despertando(p.137).
B- Do ponto de vista técnico, o Autor concebe a peça como uma representação dentro de outra representação.
/…/ o Autor gostaria de deixar claro que seu teatro é mais aproximado dos espetáculos de circo e da tradição popular do que do teatro moderno (p.22).
A representação dentro da representação caracteriza-se:
a) pela apresentação do Auto da Compadecida como parte de um espetáculo circense, espetáculo esse simbolizado no Palhaço, que faz a apresentação da peça e dos atores.
b) pela apresentação do Auto propriamente dito, com sua personagens.
Como a representação ocorre num circo, o Palhaço marca as situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação no circo.
C- Ariano Suassuna dá plena liberdade ao diretor, no que respeita à definição do cenário, que poderá “apresentar uma entrada de igreja à direita, com um apequena balaustrada ao funda /../. Mas tudo isso fica a critério do ensaiador e do cenógrafo, que podem montar a peça com dois cenário /…/” (p.21).
D- Percebe-se, portanto, que a técnica de composição da peça segue uma linha simplista, solicitada pelo próprio Autor, o que faz residir a importância da mesma apenas na proposição dos diálogos e no decurso da ação conseqüente.
2- A ESTRUTURA propriamente dita, isto é, a forma final do texto é o elemento fundamental par a compreensão da peça.
A – Personagens. A peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.
PRINCIPAL: João Grilo
OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
LIGAÇÃO: Palhaço
As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque ela assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.
· João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de tosa as situações da peça.
· As demais personagens compõem o quadro de cada situação.
· O Palhaço, representando o Autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.
Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as características de cada uma delas.
a) JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
“PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz “à misericórdia”, porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada” (p.24).
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:
1ª) a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: “Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era ” Que maluquice, que besteira!”, agora “Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!” (p.33).
2ª) a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: /…/ “É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido”.(p.40). “Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro”(p.41).
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