Bonner: cursos não formam jornalistas
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Inteligente, bem humorado, sedutor. Difícil não se deixar envolver pelo discurso fascinante de William Bonner, um verdadeiro showman
do jornalismo global em palestra para um auditório lotado de estudantes
de Jornalismo na Universidade de Brasília na segunda-feira [5/10].
Bonner estava lá para lançar seu livro Jornal Nacional – Modo de Fazer,
dentro das atividades do acordo Globo/Universidade com a UnB. Os alunos
que não puderam entrar por absoluta falta de espaço e assistiram à
palestra no lado de fora, onde foi instalado um telão. Mas podiam
interagir, enviando perguntas. Tudo ia muito bem, como uma boa aula de
Jornalismo, até que veio a esperada pergunta sobre o fim da
obrigatoriedade do diploma de jornalista, pelo STF.
Para Bonner, o fato de não precisar mais de diploma não muda nada no
mercado profissional. Apenas dá às empresas a liberdade de contratar
legalmente colaboradores de outras áreas que já atuavam no jornalismo.
O que já existia de fato, disse ele. O que também já sabíamos, pois a
Globo deixou claro, há muito tempo, que dá as costas para o diploma.
William Bonner, por exemplo, não tem. Ele é formado em Publicidade pela
USP. Mas garantiu que o fim do diploma não significa que as
Organizações Globo vão agora contratar engenheiros para fazer
jornalismo. A preferência será reservada aos egressos do curso do
Jornalismo. Eis o paradoxo. Se as escolas são ruins, se os alunos são
mal formados, por que contratar jornalistas?
Até aqui, nenhuma novidade. O que surpreendeu o auditório foi o complemento da resposta. Para o apresentador do Jornal Nacional,
as escolas de Jornalismo não servem para formar jornalistas. Deveriam
se preocupar mais com o ensino de Português e História. Para o resto, a
universidade serve apenas como experiência de vida. “Jornalismo se
aprende no mercado”, disse ele sem medo de errar. Os cursos de
Jornalismo não servem nem para ensinar ética profissional e técnicas de
redação.
Doação dos direitos autorais
Segundo Bonner, ética se aprende na vida, é uma questão de educação.
E para aprender técnicas jornalísticas, um semestre é suficiente. O
rapaz da mecha branca no cabelo garantiu à platéia deslumbrada: “Em
seis meses, eu pego um estudante e faço dele um editor na Globo”.
Confessou já ter afirmado, tempos atrás, que transformaria qualquer
motorista de táxi em jornalista, mas mudou de opinião “porque agora
valorizo o papel da universidade”.
Bonner defendeu veementemente o ensino de História e de Português,
que “deveriam ser disciplinas obrigatórias e diárias” nos cursos de
Jornalismo. Admite que, pessoalmente, tem muita dificuldade com a
língua materna. Contou que um dia desses teve que pedir ajuda a um
amigo americano para escrever a palavra “obsceno”, referindo-se à forma
de um biscoito. “Incrível, o americano, com seu forte sotaque,
conseguiu esclarecer a questão explicando que era com sc“.
O mais surpreendente na fala do simpático William Bonner foi a
declaração que os cursos de Jornalismo das universidades públicas estão
mais preocupados com a formação de uma ideologia de esquerda do que em
formar jornalistas. Seriam cursos “de doutrinamento esquerdista”. E
quando se é jovem, quando se tem 20 anos, é difícil divergir dos
professores, disse ele. Não ficou claro se Bonner se referia à USP da
época em que estudou, à USP atual, ou a todos os cursos de Jornalismo
das universidades públicas brasileiras. Mas alguma coisa de bom deve
ter ficado na formação do jornalista, pois ele abriu a palestra dizendo
que doava os direitos autorais de seu livro à USP. Que devia isso à
universidade onde estudou sem pagar nada quando, na época, seu pai
poderia ter optado por uma instituição privada.
Mais respeito à universidade
Imaginem o impacto e a amplitude destas declarações diante dos
alunos que ouvem de nós, professores, exatamente o contrário. Que é
preciso estudar política, economia, literatura, ler muito e desenvolver
o espírito crítico. As idéias de Bonner, para quem não gosta de
estudar, são uma carta branca para a irresponsabilidade. Para quem
gosta, para quem escolheu o curso de Jornalismo “por vocação” (no
sentido weberiano), que acredita que o jornalista está a serviço da
sociedade e não desta ou daquela empresa, fica difícil aceitar uma
visão tão redutora apresentada por um dos maiores formadores de opinião
do país. A universidade é acima de tudo um lugar de reflexão e produção
de conhecimento. Dezenas de teses e dissertações são realizadas nas
universidades todos os anos, sobre as mídias e, sobretudo, sobre a
Globo, a única que realmente faz um “jornal nacional” no país.
Acho louvável a iniciativa da Globo em procurar as escolas para
dialogar. Pessoalmente, já acompanhei um grupo de alunos à sucursal da
Globo em São Paulo e foi uma experiência rica, inesquecível, ver como é
preparado e apresentado o Jornal Hoje. Fomos muito bem recebidos.
Falo aqui em meu nome. Minha opinião não envolve meus colegas ou a
direção da faculdade. Tenho diploma de jornalista, 20 anos de mercado e
16 de magistério com doutoramento no exterior. Levamos quatro anos para
formar um jornalista. Por isso, espero mais respeito à universidade
onde ensinamos e pesquisamos com recursos públicos. É lamentável pensar
que tudo isso não serve para nada.
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