Mecanismos pelos quais o cérebro percebe a passagem do tempo evocam princípios da física
Ao longo da história, questões acerca da origem e
do significado da vida, da criação do Universo e livre-arbítrio têm
roubado o sono de filósofos e cientistas. A indagação sobre a natureza
do tempo, entretanto, parece ser o questionamento mais cotidiano e
familiar.
Considerado em suas diferentes acepções, o tempo está em toda
parte: no calendário da parede, nos diversos relógios que pautam nossa
vida, no nascer e no pôr-do-sol, nas fases da lua, nas estações do ano,
bem como em nós mesmos – quando sentimos fome ou sono durante o dia ou
testemunhamos no espelho as marcas da passagem dos anos.
Antiga
preocupação filosófica, mais recentemente o tempo passou a ocupar também
a mente dos cientistas, interessados em medi-lo e compreendê-lo. Para
enxergarmos com clareza suas múltiplas faces, é necessário encarar o
tempo igualmente sob múltiplos ângulos. O desafio depende de um esforço
conjunto do qual devem participar filósofos, físicos e neurocientistas.
Segundo resultados teóricos e experimentais da física moderna, a
velocidade da luz (e de qualquer onda eletromagnética) no vácuo é uma
constante, sendo também a velocidade limite que não pode ser superada
pela propagação de qualquer outro sinal.
Quando admiramos o céu em
noite estrelada, vemos algo que jamais existiu exatamente daquela
forma, porque cada estrela encontra-se mais perto ou mais longe da
Terra, portanto a luz de cada uma delas percorre uma determinada
distância em um tempo distinto. A luz das mais próximas viaja alguns
poucos anos, enquanto a das mais distantes leva bilhões de anos para
atingir nossas retinas. Muitas estrelas que vemos hoje já não existem –
explodiram e desapareceram há milhares ou milhões de anos.
Fábrica de Ilusões
Em uma escala de tempo muito menor, impulsos nervosos produzidos
pelos estímulos que nos rodeiam – e que vão se transformar em sons,
imagens, cheiros – também apresentam velocidade finita de propagação,
bem como diferentes tempos de processamento neural. Olhar, ouvir,
cheirar e sentir o mundo a nossa volta assemelha-se, portanto, a olhar
um céu estrelado: as sensações chegam ao cérebro em momentos
distintos, mesmo que tenham partido de um mesmo objeto no mesmo
instante. Com alguma prática, o cérebro torna-se hábil em juntar
estímulos assíncronos para fazê-los parecer simultâneos. Assim
percebemos – ilusoriamente – como síncronos a imagem de lábios que se
movem e o som da voz de quem fala.
A ilusão de uma consciência instantânea e simultânea aos estímulos
sensoriais que a evocam foi denominada “presente especioso” pelo
psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910). James
considerava o presente ilusório não apenas pelo conteúdo temporal da
consciência surgir com atraso em relação ao mundo, ou por dar
coerência temporal a uma atividade neural inevitavelmente assíncrona.
Ele percebia o presente como uma sensação estendida no tempo,
possivelmente exigindo, de um lado, a reevocação de um passado recente
guardado na memória de curtíssimo prazo e, de outro, a expectativa de
um futuro iminente.
A finitude, tanto da velocidade da luz quanto da propagação da
informação no sistema nervoso, conduz a um segundo paralelo entre a
física e a neurociência do tempo: a relatividade da simultaneidade.
Segundo a teoria da relatividade proposta por Albert Einstein, se dois
eventos A e B (por exemplo, o piscar de duas lâmpadas) são vistos por
alguém como simultâneos, um segundo observador, em movimento
retilíneo uniforme em relação ao primeiro, poderá vê-los como não
simultâneos: a lâmpada A piscando antes da B se o observador estiver
se deslocando em um sentido, ou o contrário quando ele se mover na
direção oposta. Como ambos os observadores são totalmente
equivalentes, já que não existe um “éter” preenchendo o espaço ou algo
especial que torne absoluto algum local dele, as duas observações,
embora contraditórias, são legítimas e também equivalentes.
Da mesma forma, resultados obtidos em nosso laboratório na
Universidade de São Paulo (USP) e por outros pesquisadores demonstram
consistentemente que dois estímulos simultâneos – visuais, auditivos ou
tácteis – poderão ser ou não percebidos simultaneamente dependendo de
vários fatores psicofísicos, entre eles o foco de atenção. Em um
típico experimento de julgamento de ordem temporal (JOT), um
voluntário senta-se à frente do monitor do computador e fixa o olhar
em um ponto demarcado da tela, onde será apresentada uma rápida
sucessão entre dois estímulos visuais separados por certa distância.
Sua tarefa é relatar qual estímulo foi percebido primeiro. Se prestar
atenção ao local onde um dos estímulos será apresentado (mesmo que não
dirija o olhar àquele local), as chances de que ele o perceba antes do
outro estímulo são muito maiores, mesmo que ambos sejam simultâneos.
Nesse caso, a alocação da atenção a um ou outro estímulo teria papel
equivalente à mudança do referencial inercial do qual se faz a
observação da ordem dos eventos – tal como enunciado pela teoria da
relatividade.
Não apenas a ordem e a simultaneidade de dois eventos podem ser
relativas para a física e as neurociências, distâncias espaciais e
intervalos temporais também são. Segundo a teoria da relatividade, o
comprimento de um objeto ou a duração de um evento serão relativos ao
referencial inercial em que se encontra o observador. Se ele estiver em
movimento em relação ao objeto, seu comprimento será menor se
comparado ao mesmo objeto medido por um observador estacionário. O
fator de contração é dado pelas equações de transformação de Lorentz .
Contração semelhante ocorre quando um observador, cujo referencial
inercial está em movimento em relação a um evento, mede a duração
deste e compara o resultado com o do observador estacionário.
Experimentos psicofísicos semelhantes ao JOT mostram que a percepção
de duração é relativa também ao estado do observador.
Fisiologicamente, a incerteza de um julgamento temporal aumenta com a
duração do intervalo julgado. Esse resultado, denominado propriedade
escalar da percepção de tempo, parece decorrer de um fenômeno
psicofísico mais geral, conhecido como lei de Weber (proposto por
Ernst Weber, em 1831), segundo o qual para percebermos que um dado
estímulo sensorial sofreu variação, o acréscimo (ou decréscimo) mínimo
necessário deve ser proporcional à magnitude inicial do estímulo
original. Isso talvez ajude a entender por que o tempo parece passar
cada vez mais depressa à medida que envelhecemos.
Todos nós também já experimentamos a sensação de o tempo “voar”,
quando estamos em lugares ou situações agradáveis, ou de se
“arrastar”, nos momentos em que esperamos com ansiedade algo acontecer.
Novamente, parece ser a atenção que prestamos à sucessão de eventos em
curso o fator determinante de nossa experiência temporal. Vários
estudos demonstram que a duração de um estímulo sensorial, tal como
percebida por um observador, é fortemente influenciada pela atenção
que ele dispensa ao estímulo.
A percepção temporal pode ser alterada também pela ação de drogas ou
doenças que provavelmente modificam circuitos neurais cuja atividade
determina nossa capacidade de julgar a duração de um intervalo
temporal ou a ordem de dois eventos. A doença de Parkinson, por
exemplo, caracteriza-se pela disfunção em certas via neurais que
utilizam dopamina como neurotransmissor. Os pacientes manifestam
comprometimento da organização temporal de ações motoras e nítido
prejuízo no desempenho de tarefas que requerem exclusivamente a
percepção de intervalos de tempo. Resultados de nosso laboratório
mostram que pacientes com Parkinson exibem significativa redução da
precisão no julgamento da ordem temporal de dois eventos visuais,
quando comparados a voluntários saudáveis da mesma idade.
Podemos novamente estabelecer um paralelo entre a mudança de
referencial em que medidas de intervalos temporais são realizadas e a
modificação na atividade de circuitos neurais responsáveis pela
codificação do tempo, seja pela modulação fisiológica exercida pela
atenção, seja pela interferência de fármacos ou por doenças. Em ambos
os casos, o intervalo temporal medido fisicamente ou percebido
fisiologicamente é relativo ao referencial em que se situa o
observador.
Setas do Tempo
Podemos dizer que, em essência, somos as nossas memórias. Aquilo
que declaramos e contamos compõe a chamada memória declarativa, da qual
fazem parte fatos sobre o mundo e sobre nossas próprias experiências.
Estima-se que mais da metade das conversações adultas se refiram a
eventos passados ou futuros, e essa habilidade de “viajar no tempo”,
acreditam muitos neurocientistas, é exclusiva do ser humano. É
possível que seu aparecimento tenha sido um passo decisivo no processo
evolutivo da espécie. Viajando no tempo, entre memórias e projetos,
podemos reavaliar experiências passadas, com suas possíveis causas, e
ponderar cenários futuros, com suas eventuais conseqüências, o que
aumenta a probabilidade de optarmos por decisões e ações mais
adaptativas.
Entretanto, existe nítida assimetria entre a memória de um evento
passado, cristalizado e único em sua realidade, e a expectativa de um
evento futuro, aberto e múltiplo em suas potencialidades.
Em meados do século XX, o matemático austríaco Kurt Gödel obteve
uma solução para as equações do campo gravitacional propostas por
Einstein na teoria da relatividade geral. Segundo ele, seria possível,
sob certas condições, a existência de órbitas fechadas ao longo do
espaço-tempo quadridimensional, o que significa que um objeto, em uma
viagem ao longo dessa trajetória, voltaria no tempo. Tais resultados
trazem à tona o relevante papel desempenhado pelo conceito de
causalidade na ciência.
Esse aspecto se torna mais claro com o exemplo do astronauta que,
viajando ao longo de uma alça fechada do espaço-tempo, retorna ao
passado e, por descuido, provoca um acidente que mata a própria mãe,
ainda jovem, antes mesmo de ter sido gerado por ela. Embora muito
próximos da ficção científica, tais argumentos baseiam-se em
resultados físicos rigorosamente formulados.
Para David Hume, filósofo escocês do século XVIII, a crença na relação
causal entre dois eventos decorre apenas do fato de nos habituarmos a
vê-los numa dada ordem temporal. Daí viria a sólida, porém ilusória,
idéia de que toda conseqüência é precedida de uma causa. No século XX,
Hans Reichenbach teceu o conceito de “cadeias causais” para ordenar
eventos no tempo. Seguidos em determinado sentido, os eventos
ordenam-se de acordo com um princípio de “causalidade”; no sentido
oposto, ordenam-se segundo uma “finalidade”. A definição de um sentido
do tempo (a chamada seta do tempo) ou a escolha da causalidade em
detrimento da finalidade é, na visão do filósofo da ciência alemão,
uma conseqüência da segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a
entropia (ou, intuitivamente, o grau de desordem) de um sistema isolado
tende a aumentar. O aumento da entropia definiria, portanto, o sentido
da seta do tempo.
Quando assistimos a um filme em que cacos de vidro espalhados no chão se
aproximam uns dos outros e finalmente se juntam, sabemos
imediatamente que ele está sendo projetado de trás para frente. Do
ponto de vista termodinâmico, a desordem (entropia) do copo aumenta
quando ele se quebra, espalhando cacos pelo chão. O aumento da
entropia seria uma indicação segura da direção do tempo, que jamais
retrocederia pelas mesmas razões pelas quais a entropia não poderia
diminuir. Há, no entanto, problemas sutis nesse raciocínio, detectados
pela primeira vez no final do século XIX pelo físico austríaco Ludwig
Boltzmann.
Em minuciosa análise termodinâmica, Boltzmann notou que, partindo de um
instante no tempo, a entropia de um sistema deve aumentar tanto em
direção ao futuro quanto em direção ao passado. Ou seja, a seta do
tempo teria duas pontas. Para observarmos hoje o aumento da entropia,
como prescrito pela segunda lei da termodinâmica, ela precisaria
necessariamente ser menor no passado remoto. Logo, o problema da seta
do tempo, na física, parece implicar considerações cosmológicas,
remontando a condições termodinâmicas que caracterizaram a origem do
Universo. Sob o prisma das neurociências, a assimetria entre eventos já
registrados e aqueles ainda por serem gravados em nossa memória parece
oferecer, ainda que sem rigor matemático, uma distinção satisfatória
entre passado e futuro (e qual deles deve acontecer primeiro).
O ato de observar e medir um evento passou a fazer parte da física
com o advento da mecânica quântica, segundo a qual observador e
observado acoplam-se, indissociavelmente, na mensuração de um dado
estado físico (descrito por uma função de onda). Muitos filósofos e
físicos acreditam que o tempo perceptivo registrado por um observador
possa, portanto, ter papel relevante na determinação da seta do tempo.
O físico britânico Paul Davies acredita que o fluxo do tempo é
resultado de um processo subjetivo, a ser explicado pelas neurociências e
não pela física. Pelo menos duas interessantes conexões existem entre
os objetos de estudo das duas disciplinas. A primeira é aquela, já
mencionada, que vincula um observador consciente ao fenômeno por ele
observado. É o ato da observação que transforma as probabilidades
descritas pela função de onda em um valor ou estado físico definido e
único. Nas palavras de John Wheeler, importante físico americano do
século XX: “nenhum fenômeno elementar é um fenômeno até que ele seja
um fenômeno observado ou registrado.” A segunda conexão entre física e
neurociências é a semelhança matemática e conceitual existente entre a
definição de entropia, proposta por Boltzmann, e a definição de
informação, que o matemático americano Claude Shannon apresentou em
meados do século XX. A entropia seria uma medida de nossa ignorância
sobre um sistema, sendo a aquisição de informação sobre ele o
equivalente a uma redução de sua entropia (negentropia). O atrativo
dessa analogia é que, enquanto entropia é um clássico ingrediente de
formulações termodinâmicas, informação é a matéria prima, por
excelência, da atividade neural.
Percepção do Tempo
Pouco depois do surgimento da teoria da relatividade, o professor
de matemática de Einstein, Hermann Minkowski, propôs uma formalização
em que tempo e espaço passam a fazer parte de uma única estrutura
geométrica. Formada pela fusão de três dimensões espaciais e uma
temporal, essa estrutura é conhecida desde então como espaço-tempo
quadridimensional. Embora mantenha suas peculiaridades, espaço e tempo
devem, de acordo com a relatividade, ser considerados em conjunto,
oferecendo um arcabouço único para a descrição dos eventos físicos.
Nossas percepções de espaço e tempo também não existem de forma
independente, e tarefas perceptivas que exigem julgamento
espaço-temporal possuem longa história nas neurociências. Em 1796, o
astrônomo real do observatório de Greenwich, Reino Unido, despediu seu
assistente em razão das constantes discrepâncias, da ordem de vários
décimos de segundo, na observação do trânsito estelar. As observações
exigiam o julgamento, em relação a um ponto de referência no
observatório, da localização de uma estrela em um exato instante de
tempo marcado pelo tique-taque audível de um relógio. A precisão
dessas observações era crítica para as medidas astronômicas, o que levou
o problema para os laboratórios sob a forma de procedimentos que
ficaram conhecidos como experimentos de complicação, idealizados pelo
pai da psicologia fisiológica, Wilhelm Wundt. Tais experimentos
implicavam a comparação simultânea de estímulos em movimento contínuo e
estímulos de apresentação súbita.
Reportar a localização de um dado objeto em movimento no exato
instante em que um outro evento ocorre é, genuinamente, uma tarefa
espaço-temporal. Não só um julgamento espacial deve ser realizado
simultaneamente a um julgamento temporal, as percepções de espaço e
tempo podem – e talvez devam – compartilhar circuitos neurais que são
superpostos quanto a esse processamento.
Mais recentemente, o interesse em experimentos de complicação foi
reavivado pela descoberta de uma ilusão visual simples, porém ainda
muito controversa: o efeito flash-lag. Um objeto em movimento é
percebido como se estivesse à frente de sua real posição no instante
em que um evento, que ocorre subitamente, é utilizado como referencial
no tempo.
Muito se tem debatido sobre as origens neurofisiológicas desse
fenômeno, mas um aspecto que demonstramos com alguma segurança é sua
modulação por fatores atencionais: a magnitude do efeito flash-lag
aumenta ou diminui à medida que prestamos menos ou mais atenção aos
estímulos em questão (o que pode parcialmente explicar a tendência dos
árbitros auxiliares, em partidas de futebol, de indicar impedimentos
inexistentes). A modulação atencional de uma ilusão que implica a
percepção de tempo e espaço sugere, mais uma vez, que a atenção entra
em cena como uma espécie de “mudança de referencial”, no qual eventos
espaço-temporais tomam parte.
Uma das razões pelas quais as percepções de tempo e espaço talvez se
fundem em uma mesma estrutura espaço-temporal é que a determinação
subjetiva de tempo possa depender mais de “como” é representada pelo
sistema nervoso, e menos de “quando”. Steven Hillyard, da Universidade
da Califórnia, mostrou recentemente que a modulação atencional da
percepção de ordem temporal, produzida por dois estímulos sonoros, era
codificada por variações nas amplitudes de potenciais elétricos
observados nos respectivos circuitos neurais envolvidos, e não por
suas latências ou qualquer outra variável temporal. Portanto, espaço e
tempo não são traduzidos necessária e respectivamente por códigos
espaciais e temporais, mas ambos poderiam ser representados pelo
sistema nervoso como códigos neurais que nada têm a ver diretamente
com as características espaciais e temporais daquilo que representam.
Esses mecanismos sugerem um análogo neural, ainda que metafórico, ao
espaço-tempo físico.
Blocos de Tempo
Heráclito de Éfeso, que viveu na Grécia entre os séculos VI e V
a.C., via o Universo como um processo contínuo de mudança: “todas as
coisas estão em perpétuo estado de fluxo”. Um de seus mais famosos
aforismos diz que “no mesmo rio entramos e não entramos, somos e não
somos”. Ou seja, não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, pois na
segunda vez as águas do rio – em perpétuo fluxo – já não serão as
mesmas, assim como nós mesmos já teremos mudado.
No entanto, o escrutínio filosófico e as formalizações físicas não
conseguem determinar a existência de um fluxo temporal único, contínuo
e objetivo. Não há resposta para certas perguntas, por exemplo, “qual
a velocidade do tempo?” (exceto, talvez, para uma personagem do
escritor português José Saramago, que afirma que o tempo passa a uma
velocidade de 60 minutos por hora). Esse incômodo beco sem saída tem
levado à concepção do tempo como um bloco. O espaço-tempo de Minkowski
conteria toda a eternidade: passado, presente e futuro mapeados nesse
bloco único. Embora a sensação de um “agora” desempenhe papel central
em nossa vida, a intuição é subvertida por concepções relativísticas,
segundo as quais todos os instantes desse “tempo blocado” são
igualmente reais. O fluir do tempo, do passado ao futuro, passando
pelo “agora” que nitidamente sentimos, surgiria em nosso cérebro como o
resultado de fazermos, ativa e conscientemente, uma observação desse
bloco espaço-temporal. Essa observação então corresponderia, para cada
observador, a uma fatia do bloco, que contém a cota de espaço que
chamamos “aqui” e o instante de tempo que chamamos “agora”.
Essa visão física se aproxima da concebida por Platão no século IV
a.C. Em um de seus famosos diálogos, Timeu, o tempo seria uma “imagem
móvel da eternidade”. Já a concepção neurocientífica nos leva ao
pensamento de Santo Agostinho, que viveu oito séculos mais tarde, para
quem passado e futuro não existem. Quando olhamos para o passado, ele
já se foi: é uma memória. Quando procuramos o futuro, ele ainda não
chegou: é uma expectativa. Portanto, somente o presente existe, conclui o
filósofo. O tempo seria uma criação da mente humana – quando medimos
uma extensão temporal, estamos na verdade medindo memórias do passado e
expectativas do futuro. Santo Agostinho é o primeiro pensador
ocidental a destacar claramente o caráter subjetivo do tempo.
É possível que as múltiplas faces do tempo tenham individualidade
própria. E que os múltiplos “tempos” tenham, portanto, de ser tratados
de forma particularizada ou independente, pelo respectivo nível
descritivo que o aborda. Seria preciso considerar por exemplo as
diferentes naturezas da “fibra” do tempo, com a qual seriam tecidos,
em diferentes planos, os múltiplos e distintos tempos físico,
biológico, neural e social. Enquanto isso, continuaremos a enfrentar o
desafio de compreender como o tempo flui através da mente, já que,
fora dela, o rio de Heráclito existe, mas está congelado
Tempo nas neurociências
O surgimento de mecanismos neurais que processam o tempo foi
essencial para nossa evolução. O controle neural do tempo é crucial
para atividades cuja escala varia entre milésimos de segundo a
décadas. São elas: regulação de funções vegetativas e de comportamentos
que oscilam periodicamente (ritmos biológicos); funções motoras nas
quais a seqüência e coordenação de movimentos exigem grande precisão
temporal, da ordem de milissegundos; percepção de sucessão, ordem,
intervalos e durações temporais, que se estendem de frações de segundo
às memórias que construímos ao longo da vida.
Em seres humanos e outros animais, o processamento neural do tempo tem
sido abordado por meio de técnicas como ensaios comportamentais,
análises moleculares, métodos eletrofisiológicos, farmacológicos,
clínicos e de neuroimagem. Os resultados mais recentes indicam que
diferentes módulos neurais participam dos diversos tipos de
processamento temporal, dependendo da escala de tempo e da natureza da
tarefa.
Ritmos circadianos, por exemplo, operam em períodos de 24 horas,
determinando comportamentos tais como o ciclo vigília-sono e a
alimentação. Seu controle depende de circuitos neurais localizados no
núcleo supraquiasmático do hipotálamo, que oscilam sob a influência de
ritmos externos, como o ciclo claro-escuro produzido pela rotação
diária da Terra. Ritmos biológicos, produzidos endogenamente por
osciladores neurais, são extremamente úteis no ajuste homeostático e
na sincronização de comportamentos aos ritmos exógenos gerados pela
natureza periódica de rotação e translação do planeta.
Estudos recentes mostram a existência de dois outros sistemas neurais,
relativamente independentes, do processamento temporal. O primeiro é
um sistema automático do qual participa o cerebelo, opera na escala de
milissegundos e se relaciona à marcação temporal de eventos discretos
(descontínuos). O segundo sistema relaciona-se a eventos contínuos, é
controlado por mecanismos cognitivos e atencionais e envolve os
núcleos da base e várias áreas corticais no processamento de eventos
temporais cuja escala de tempo iguala ou supera um segundo.
Observações clínicas sugerem que lesões cerebelares comprometem
aspectos temporais determinantes da transição de estados motores,
enquanto lesões dos núcleos da base comprometeriam, temporalmente, a
transição de estados atencionais. Esses núcleos subcorticais parecem
estar envolvidos, junto com circuitos dos córtices pré-frontal e
parietal posterior, na representação cognitiva de números, seqüências e
magnitudes. Dessa forma, áreas neurais comuns participariam de
tarefas cuja essência são contagem e o ordenamento, seja temporal,
seja numérico. Um possível papel dos núcleos da base seria o de
monitorar a atividade que circula entre eles, o tálamo e o córtex
cerebral, agindo como detectores de coincidência que controlam o fluxo
de informação.
O Tempo na Física
Um dos pilares da física moderna é a obra monumental de Isaac
Newton (1642-1727). Em um mesmo modelo teórico, Newton concebeu um
sistema mecânico que unificou a física dos corpos em movimento – de
maçãs caindo de árvores a órbitas de luas e planetas. A metafísica de
Newton adotava a visão de tempo e espaço absolutos. Em relação ao
espaço, ele defendia uma forma de “substantivalismo”, de um espaço
como “substância” – visão oposta ao “relacionismo” adotado por
Leibniz, seu contemporâneo. Newton percebeu que, em relação ao espaço
absoluto, um movimento uniforme, com velocidade constante, exigiria o
fluir de um tempo absoluto. Como afirmou em sua obra Principia
mathematica, “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo, e
por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com nenhuma
coisa externa. […] Todos os movimentos podem ser acelerados ou
retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é sujeito a nenhuma
mudança”.
Assim, um único “agora” preencheria todo o espaço, desde o local em
que você, leitor, se encontra lendo essas páginas, até uma estrela
distante, na borda da galáxia ou nos confins do Universo. Embora tenha
despertado o questionamento crítico de alguns físicos e filósofos,
essa cosmovisão persistiu por mais de 200 anos, e ainda hoje se
encontra entranhada nas concepções de muitos de nós. Em meados do século
XIX, James Clerk Maxwell colocou, ao lado da mecânica de Newton, uma
síntese do eletromagnetismo igualmente unificadora, que expressava,
por meio de quatro elegantes equações, todo um conjunto de resultados
empíricos relativos a fenômenos elétricos e magnéticos. Com base nas
equações de Maxwell, e em experimentos muito precisos realizados no
final do século XIX, mostrou-se que a velocidade de uma onda
eletromagnética (e, portanto, da luz) no vácuo, era a mesma em
qualquer direção: pouco mais de 1 bilhão de km/h. Os resultados
conduziram a uma inconveniente contradição entre essas duas teorias
físicas – as mais bem-sucedidas até então.
O início do século XX foi marcado por abalos que dilaceraram os
alicerces da física clássica. Personagem principal desse fecundo
capítulo da história da ciência, Albert Einstein (1879-1955)
protagonizou a demolição da física newtoniana. Com suas teorias da
relatividade (a especial, de 1905, e a geral, de 1916), propôs um
modelo de Universo no qual espaço e tempo não são independentes nem
absolutos, mas se fundem em um único espaço-tempo quadridimensional,
em que uma onda eletromagnética propaga-se com velocidade constante em
relação a qualquer referencial inercial em que seja medida. Como
conseqüência da constância da velocidade da luz, conceitos temporais
como simultaneidade e duração ou espaciais, como distância e
comprimento, tornam-se relativos a um dado referencial inercial. Com as
teorias de Einstein, a unidade e a coerência da física foram
preservadas e, de quebra, uma visão radicalmente nova do universo
tomou o lugar das concepções usuais de espaço e tempo.
Para conhecer mais
O Tecido do Cosmo. Brian Greene, Companhia das
Letras, 2005.
Time. Philip Turetzky, Routledge, 1998.
What makes us tick? Functional and neural mechanisms of interval
timing. C. V. Buhusi e W. H. Meck, em Nature Reviews
Neuroscience, vol. 6, págs. 755-765, 2005.
Embraer oferece bolsas de estudo em tecnologia para mulheres
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