Pré-sal pode tirar Brasil do rumo certo, diz Lester Brown
O americano Lester Brown, um dos principais pensadores da chamada
economia ecológica, é um homem de fala mansa e semblante sério. E gosta
de dar conselhos. Para o Brasil, onde esteve na semana passada para
divulgar seu novo livro, Plano B 4.0 – Mobilização para Salvar a
Civilização, o recado foi claro.
O País não deve se perder nas brumas
das promessas do petróleo do pré-sal e manter firme sua aposta nas
energias renováveis, opção que deve ganhar peso depois da Cúpula do
Clima de Copenhague, em dezembro.”Encontrar mais petróleo agora pode
ser um indicador de progresso. Mas, até conseguir tirá-lo do fundo do
mar, talvez ele já faça parte da história.”
Fundador do Worldwatch Institute (WWI), em 1974, e atual presidente
do Earth Policy Institute, entidade de pesquisas interdisciplinares com
sede em Washington, Brown deu a seguinte entrevista ao Estado.
Qual é o plano B para a humanidade?
A razão para pensarmos em um “plano B” é que o “plano A”, o business
as usual, não está funcionando muito bem. Se continuarmos no mesmo
caminho econômico, o destino será o colapso climático. Isso porque, com
o objetivo dar sustentação à atividade econômica, estamos destruindo os
sistemas naturais. Para manter a agricultura, estamos destruindo as
florestas; as savanas, levando os solos à erosão. Estamos colocando os
oceanos em colapso, acabando com os estoques pesqueiros, e por aí vai.
O “plano B” é uma resposta a essa situação, uma oportunidade para que o
mundo reconheça o colapso que vem sustentando a civilização.
E quais seriam os ingredientes desse plano B?
Ele é feito de quatro propostas: estabilizar a população;
estabilizar o clima; erradicar a pobreza e restaurar os sistemas
naturais que dão suporte à economia: as florestas, os solos, a
biodiversidade, as reservas de água. É um plano ambicioso, mas temos
que nos movimentar rápido. Em vez de perguntar aos líderes políticos se
eles vão reduzir as emissões de carbono, temos que perguntar em que
percentual e com que agilidade eles o farão. Em vez de dizer que os
países ricos devem cortar suas emissões de gases estufa em 80% até
2050, o que é muita coisa, vai ser preciso uma movimentação de guerra
para fazer com que isso aconteça na velocidade necessária.
Então o sr. parte do pressuposto de que os países assumirão metas mais agressivas de redução do CO2?
A questão central não é o quanto difícil será fazê-lo, e sim o quão
difícil as coisas se tornarão se não fizermos nada. Eu me refiro aos
níveis do mar, por exemplo. Os últimos estudos a que tivemos acesso
mostra que o nível dos oceanos pode subir dois metros. Imagine o
impacto disso. Estamos criando um mundo que não vamos reconhecer mais.
E os custos da adaptação às mudanças climáticas serão gigantescos.
Sim. Pense na agricultura, por exemplo. A agricultura que conhecemos
hoje é baseada na estabilidade climática. Basicamente, ela é pensada
para maximizar sua produção dentro do atual sistema climático. Se ele
mudar, a agricultura mudará de uma forma sem precedentes. Essa é uma
ameaça muito real. Então temos que acordar e agir a tempo para
responder a esses desafios, ou então chegaremos ao ponto sem retorno. A
natureza é a senhora do tempo, mas não podemos ver o relógio. Não
sabemos quanto tempo nos resta, na prática, para reduzir as emissões de
CO2.
O sr. acredita que estamos perto do ponto sem retorno?
Penso que estamos perigosamente perto. E muitos, muitos cientistas
do clima pensam que estamos perigosamente perto. Se o nível do mar
subir sete metros, teremos que redesenhar o mapa do mundo. O Brasil,
por exemplo, seria um país muito menor do que é atualmente. Imensas
porções da Amazônia teriam de ser convertidas em agricultura. Praias
como Ipanema podem desaparecer.
Em seu livro, o sr. sugere uma revolução tributária com o
objetivo de colocar um preço sobre o carbono. Qual seria o caminho? É
um cenário realista para o pós-Copenhague?
O problema é que o mercado não diz a verdade. O mercado incorpora os
custos de produção de uma mina de carvão, por exemplo, e os custos de
transportar e queimar esse carvão. Mas não incorpora os custos da
mudança climática causada por esse carvão. O mercado incorpora os
custos de bombear petróleo, levá-lo à refinaria, depois ao posto de
gasolina. Mas não inclui os custos da poluição causada pela gasolina e
o efeito disso para o aquecimento global. Não podemos confiar no
mercado para ter acesso a esse tipo de informação.
Então se o mercado não mudar, nada muda?
Sir Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, fez, a
pedido do governo britânico, uma análise dos custos para o mundo das
mudanças climáticas, documento que ficou conhecido como Relatório
Stern. Lá ele descreveu a mudança climática como uma grande falha do
mercado. E como o mercado falhou ao não incorporar esses custos da
mudança climática na gasolina, na eletricidade gerada a partir de
carvão. Então a chave agora é obrigar o mercado a nos dizer a verdade.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em vez de a gasolina custar US$ 3 o
galão, custaria US$ 12 se incorporasse esses custos. Custaria muito
mais caro, mas seria o preço honesto.
Dessa forma, o preço dos combustíveis passaria a incorporar
os custos que eles trazem no longo prazo? Poluição, danos à saúde
pública. Estamos no caminho para que isso ocorra? Não é impopular?
Sim, estamos no caminho. Se você perguntar aos economistas o que
seria mais eficaz para reduzir as emissões, se um sistema de captura e
comércio de emissões (cap and trade) ou se uma reestruturação nos
impostos, 95% deles provavelmente diriam que é a mudança nos impostos.
Porque é mais fácil de entender, mais transparente, todos saberão
exatamente o preço sobre o carbono. E isso vai permitir uma mudança de
comportamento, em resposta ao alto preço dos combustíveis fósseis. Isso
significa, entre outras coisas, banir a construção de usinas a carvão,
e nos voltaremos à energia solar, eólica e geotérmica, em grande escala.
Como estabilizar a população?
O que precisamos entender é o significado de crescimento
exponencial, e a relação entre o número de pessoas que habitam o
planeta e suas necessidades por água, terra, recursos naturais. Acho
que não estamos entendendo bem essa equação. Metade da população do
mundo hoje vive em países onde as reservas subterrâneas de água estão
sendo bombeadas além da conta, os aquíferos estão baixando. E 80
milhões de pessoas são adicionadas à população diariamente, justamente
nos países onde os solos estão em processo avançado de erosão, os
aquíferos estão baixando, o que torna a situação ainda pior. Então,
controle populacional é um fator chave, especialmente nos Estados não
democráticos, como Somália e Afeganistão, onde o acesso à educação é
precário.
O sr. é um dos pioneiros em tecer uma relação entre economia e ecologia. Nós estamos sendo hábeis em conectar as duas coisas?
Estamos começando a fazê-lo. Temos nomes emergindo, como o já citado
Nicholas Stern, que olhou economicamente a questão da mudança climática
e disse “olha, temos problemas”. Uma das dificuldades é que os
indicadores que usamos, que os governos usam na suas decisões, quase
todos são indicadores econômicos. Todos os dias, todos os meses,
recebemos dados sobre investimentos, emprego, produção, etc, e as
decisões são tomadas. Mas nós não temos algo similar a respeito de
erosão dos solos, as espécies que estão disaparecendo, ou sobre o que
está ocorrendo com os aquíferos ao redor do mundo. Esses dados não
estão disponíveis, e são muito mais importantes para o futuro da
civilização. A exceção é a concentração de CO2 na atmosfera, temos essa
informação diariamente. Então, a mentalidade ainda é governada pela
economia. Mesmo na administração Obama. Eles ainda pensam só em termos
econômicos, e nós precisamos de um modelo muito mais sofisticado.
Recentemente o governo brasileiro está bastante entusiasmado
com as descobertas de petróleo na camada do pré-sal. Como o sr. vê
isso? Um país reconhecido por uma matriz renovável mas que pretende
explorar mais óleo no futuro. Não soa contraditório, no atual momento?
Descobrir petróleo, para um país, soa como um símbolo do sucesso. No
caso do pré-sal, não será fácil tirá-lo do fundo do mar, será um
processo custoso e dispendioso em energia. Além disso, com o tempo, o
petróleo estará saindo de cena, será parte da história. Outro ponto a
ser observado é a eletrificação dos sistemas de transporte, com mais
veículos híbridos e elétricos entrando em cena. E a matriz renovável já
está verificando um grande salto, a China está dobrando sua produção de
energia a partir de fontes limpas. A Europa está montando um consórcio
de empresas, como Munich Re, Deustche Bank, Siemens e ABB, que estão
desenvolvendo uma usina de geração solar de grandes proporções no Norte
da África. A luz do sol que atinge a Terra naquele ponto durante uma
única hora é suficiente para fornecer energia para toda a economia
global, por um ano.
E os negócios? As empresas estão realmente fazendo mudanças em seus modos de fazer negócios para alcançar a sustentabilidade?
Há algumas companhias que estão realmente planejando se tornar
neutras em emissões de carbono, muito poucas. O obstáculo é que as
indústrias vivem pelo mercado, num ambiente de mercado, e usam suas
regras. Mas o varejo dá informação ruim aos consumidores. O mercado nos
diz que combustíveis fósseis são baratos, mas na realidade eles são
caros. Então, para que as indústrias se tornem de fato sustentáveis e
para que a economia se torne sustentável, temos que fazer com que o
mercado nos diga a verdade. E o modo de fazer isso é calcular o real
preço da energia fóssil e incorporar esses custos.
Vivemos em um padrão de produção e consumo claramente
insustentável. A era do descartável, da obsolescência programada. O sr.
acha que iremos em algum momento sobrepor esse paradigma?
Estamos começando a mudar, mas a questão é: podemos mudar na
velocidade necessária? Estamos em uma corrida entre pontos de inflexão,
no campo político e natural. Podemos cortar as emissões rápido o
suficiente para salvar as geleiras e o Himalaia? Começamos a nos mover
nessa direção, mas ainda não na velocidade suficiente.
Como o sr. vê o papel do Brasil nesse cenário?
O Brasil está em uma situação única. Tem a grande riqueza de ter uma
matriz onde mais de 40% da energia vem de fontes renováveis. Vocês
fizeram a transição primeiro. O Brasil tem vasto litoral, ideal para
parques eólicos, reservas de água, sol o ano todo. É o território ideal
para uma economia de baixo carbono, e se mantiverem nesse caminho,
atrairão muitos investimentos.
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