Como ser criativo e original
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Entrevista com Giscar Otreblig, escritor e
crítico literário, professor e ministrante de oficinas de escrita
criativa.Giscar Otreblig, nascido na Arábia
Saudita, com passagem por Portugal e radicado no Rio de Janeiro, concede
entrevista para o GUIA DE PRODUÇÃO TEXTUAL (www.pucrs.br/gpt/index.php)
de autoria de Gilberto Scarton. Giscar é, além de escritor, crítico
literário, professor e ministrante de oficinas de escrita criativa.
GPT – E a literatura árabe?
Giscar – Vai bem, obrigado. Editores descobrem a atual geração de
escritores de língua árabe. E cresce, surpreendentemente, o número de
mulheres árabes escritoras.
GPT – Por exemplo?
Giscar – Rajaa Alsanea, ameaçada de morte, por revelar em seu livro
“Vida dupla”, como vivem os jovens de classe média alta na Arábia
Saudita. E Fadia Faqir, ativista jordaniana que defende os direitos da
mulher no mundo árabe. Vejo o seu livro “Meu nome é Salma”.
GPT – Qual o maior nome da literatura árabe moderna?
Giscar – É Naguib Mahfouz, Nobel de literatura em 1988.
GPT: Além de professor e escritor, o senhor é crítico literário e
ministra oficinas de escrita criativa. Que é mesmo escrita criativa?
Giscar – A escrita criativa, em certo sentido, se opõe à escrita
utilitária, burocrática. Poderia ser denominada de escrita literária,
lúdica. A escrita de poemas, de contos, de jogos de palavras, etc…
GPT – Mas uma dissertação não pode ser criativa?
Giscar – Sem dúvida. Escrita criativa tem um sentido mais amplo do que
aquele mencionado anteriormente: a criatividade exerce-se em todos os
níveis de produção lingüística. Manifesta-se em diferentes tipos de
texto.
GPT – Até numa receita culinária?
Giscar – Até numa receita culinária. Que o diga o Sr. Houaiss. Mas
observe-se: há graus de criatividade.
GPT – Então, quando um texto é criativo?
Giscar – Um texto é criativo quando se afasta da vala comum dos outros
textos. Quando divergir, tanto quanto possível, de outros textos na
abordagem do tema, no emprego dos recursos gráficos e fônicos, na
seleção dos vocábulos, na construção das frases, no emprego dos recursos
semânticos, etc.
GPT – O senhor falou “tanto quanto possível…”
Giscar – Sim. Foi Voltaire quem disse: “a originalidade não é senão uma
imitação prudente. Os mais originais escritores pegaram emprestado uns
dos outros”.
GPT – Então nenhum texto é inteiramente original?
Giscar – Acho que não. Cada texto é uma transformação de outros textos.
Isso é muito fácil de ser entendido. Nenhum texto se produz no vazio ou
nasce numa inocente solitude. Ao contrário, alimenta-se de outros
textos. É o fenômeno da intertextualidade…
GPT – Qual a implicação do que o senhor acaba de afirmar para um
“aprendiz da escrita”, para o ensino da língua portuguesa?
Giscar – Quanto mais lemos e bem, mais possibilidades temos de
compreender um texto, um poema, determinado escritor, de entender os
caminhos percorridos por ele. Por outro lado, mais aptos estaremos de
escrever nossos próprios textos. Ler não é apenas um verbo… ensinar a
ler é a prática mais importante na Educação.
GPT – Então uma oficina de escrita criativa tem importância relativa?
Giscar – Eu diria que sim. Diria mais: quem deseja cursar uma oficina de
escrita criativa deveria conhecer os objetivos da oficina, fazer
algumas aulas e, a partir daí, decidir se é conveniente, bom, produtivo
fazer todas as aulas.
GPT – Que objetivos o senhor estabelece para suas oficinas?
Giscar – Desfazer mitos, preconceitos a respeito da escrita; ensinar o
aluno a ler; entender os mecanismos da escrita criativa; vivenciar a
experiência de construir textos criativos; resgatar no oficineiro a
consciência de que ele é um ser criativo…
GPT – Ensinar a ler?
Giscar – Sim, exatamente. Ensinar a ler como um escritor. Desnudar cada
palavra. Cada frase. Cada parágrafo, texto … para descer às
profundezas da linguagem e fruir o belo.
GPT – Mas tem-se dito muito que escrever é um dom. Que o senhor acha?
Giscar – Escrever é um dom… mas um dom de todos, pois a linguagem é
apanágio da espécie humana.
GPT – Posso concluir que também não é uma questão de inspiração…?
Giscar – Inspiração é/deve ser como visita de sogra. Está chegando e …
já deve estar saindo. (Giscar queria retirar essa comparação… pois
considera (e é) preconceituosa. Diz que sua sogra é generosa como uma
geladeira: sempre obsequiosa, prestativa…).
GPT – É questão de trabalho, de transpiração, para usar de um lugar
comum?
Giscar – Fernando Sabino afirmou que não tem facilidade nem para
escrever uma carta. E Paulo Mendes Campos disse quem tem facilidade para
escrever não é escritor, é orador. Escrever é uma dura estiva de
desembarcar idéias na folha branca, imaculada. É um desafio constante. É
um constrangimento. Mas é isso que nos empurra para o desafio da
escrita, para as situações criativas, para gerar histórias, poemas,
textos. A criatividade surge da dificuldade, da necessidade de resolver
um problema. Olavo Bilac, quando se punha a escrever, dizia que baixava
um anjo diabólico e lhe sussurrava: hoje estás fadado a escrever sem
inspiração. Escrever é trabalho, é cavar fundo na memória, é voar com a
imaginação, é desvendar subterrâneos, desbravar galerias…
reescrever…
GPT – Escrever é um exercício humano.
Giscar – Escrever é um exercício humano. Requer disciplina, disposição,
ambição, uma boa dose de imaginação (a louca da casa), sensibilidade,
ter uma dor de cotovelo, estar de bem com a vida (ou não…). E alguns
quilômetros rodados. De preferência, desde a infância. Escrever é um
exercício de liberdade. E de coragem: as palavras queimam. E é um
exercício de solidão… mas que nos arranca de nós mesmos e nos leva ao
encontro dos outros, do mundo, solidarizando-nos.
GPT – Louca da casa?
Giscar – “Louca da casa” é a expressão empregada por Santa Teresinha do
Menino Jesus para referir a imaginação. Rosa Montero se apropriou da
frase para dar nome a um de seus livros. A escritora madrilenha diz que
imaginação é a louca fascinante que mora no sótão. Ser romancista (e
escritor, e poeta, e…) é conviver feliz com a louca lá de cima. E não
ter medo de visitar todos os mundos possíveis e alguns impossíveis”.
GPT – Li, não lembro onde, que muitos romances, contos, poemas nascem
de uma frase.
Giscar – É mesmo. Nascem de uma célula, de um ovinho, como costumo
dizer. Esta célula pode ser uma emoção, um rosto, uma frase, um fato.
Meu primeiro romance “Oásis” nasceu de uma frase “o sertão é dentro da
gente… viver é muito perigoso”.
GPT – O senhor escreve muito?
Giscar – Estou sempre escrevendo. Escrevo antes de deitar, dormindo, nas
horas de insônia, quando acordo, quando passeio com meus cachorros…
Eu escrevo mentalmente sempre. As frases, as idéias estão sempre
borbulhando no meu sótão. E se não anoto a tempo…
GPT – Voltando à gênese de uma obra: da dor de perder também nasce a
obra…
Giscar – A frase é do psicólogo Phillipe Brenot, autor de “O gênio da
loucura”. “… Nasce de uma experiência profunda, captada pela
sensibilidade do artista que apreende momentos perturbadores da
existência: as perdas, os danos, os enganos, os logros, os malogros, os
desenganos, os segredos, os amores, os desamores, o nascimento, a vida, a
morte, a opressão, a angústia, a náusea, o ser, o não-ser, o ciúme, a
inveja, a ira, a solidão… Fazer literatura, ler literatura, é
falar/ler sobre nós mesmos… sobre mim… sobre ti. Sobre o mundo. Da
vida feita de angústias e felicidades.
GPT – A literatura é então conhecimento?
Giscar – A literatura é luz. É relâmpago que abre clareiras na treva. É
trovão. Que pode sacudir as mentes, que lança chamas que incendeiam e
clarificam a realidade. Escrever é, então, um ato maiêutico. É um ato
solidário. É um ato libertador. É um ato político. É um ato de amor.
GPT – Muito obrigado!
Giscar – Obrigado a você.
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