Direito Sócioambiental
SURGIMENTO DO DIREITO SOCIOAMBIENTAL
Em meados do Século XIX nasceu nos Estados Unidos o pensamento
ambientalista, com a Corrente Preservacionista, tendo esta corrente
visão biocêntrica, ou seja, que a natureza deve ser preservada
independentemente da contribuição que possa trazer ao ser humano.
Em 1872 foi criado naquele País o Yellowstone National Park, com ideais
preservacionistas, tendo como objetivo “a idéia que imperava na época de
que esse espaço precisava ser resguardado da ação predatória do homem”.
Neste sentido, o Brasil adotou, na teoria, a Corrente Preservacionista
nos moldes norte-americanos, ressaltando que no mesmo período havia a
política desenvolvimentista do regime militar, sendo que Alex Justus da
Silveira define que:
A corrente preservacionista parte do princípio de que toda relação entre
sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural, sem
que sejam feitas quaisquer entre as várias formas de sociedade
(urbano-industrial, tradicional, indígena etc..).
Sendo assim, o Brasil adotou uma corrente ambientalista que vai de
encontro aos interesses dos povos tradicionais e indígenas, prejudicando
mais uma vez o direito destes povos, tendo em vista que assim eles não
poderiam conviver harmonicamente com a “natureza selvagem”, alem do fato
que esta corrente “considera que é inconcebível que uma unidade de
conservação possa proteger, além da diversidade biológica, a diversidade
cultural”.
Em contrapartida, a partir de articulações políticas entre os movimentos
sociais e ambientais durante a segunda metade da década de 80 surgiu o
socioambientalismo brasileiro ou a chamada Corrente Conservacionista.
Juliana Santilli estabelece que:
O surgimento do socioambientalismo pode ser identificado com o processo
histórico de redemocratização do País, iniciado com o fim do regime
militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição,
em 1988. Fortaleceu-se – como o ambientalismo em geral – nos anos 90,
principalmente depois da realização da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992
(Eco-92), quando os conceitos socioambientais passaram claramente a
influenciar a edição de normas legais.
Destarte o socioambientalismo pode ser caracterizado como uma evolução
do pensamento ambientalista, em que não se visa proteger somente a
natureza, como também quem vive nela, quais sejam as comunidades
tradicionais . Assim, esta corrente, que hoje faz parte de um dos ramos
da Ciência Jurídica , o Direito Socioambiental, foi construído com base
na idéia de que as políticas públicas ambientais devem incluir as
comunidades tradicionais, detentoras de manejo e práticas ambientais.
Deste modo, ao invés de expulsar os indígenas das terras de proteção
ambiental, ele os aproxima da natureza, protegendo tanto o meio ambiente
quanto o homem que ali vive.
Assim, o socioambientalismo se desenvolveu no Brasil com a concepção de
que um País subdesenvolvido não pode querer emergir com ações promovendo
somente a sustentabilidade social ou então somente a sustentabilidade
de ecossistemas, de espécies e processos ecológicos, devendo ser criados
projetos e ações que promovam o desenvolvimento social, como ensina
Juliana Santilli:
O novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo
deve promover e valorizar a diversidade cultural. O socioambientalismo
nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas
ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se
incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição
socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração
dos recursos naturais.
Segundo esta corrente teórica, o meio ambiente não pode ser um bem
protegido isoladamente, esquecendo as comunidades tradicionais. Deste
modo, Paulo de Bessa Antunes afirma que:
Há uma nova compreensão do papel a ser desempenhado pelos povos
aborígenes na preservação ambiental. Lentamente, está sendo modificada a
antiga, e errônea, compreensão de que a proteção ambiental deveria ser
feita mediante a adoção de políticas que implicassem o isolamento da
área a ser protegida. É necessário, e fundamental, que os povos
indígenas possam conservar suas identidades e peculariedades como parte
integrante que são da diversidade cultural brasileira.
Assim, para haver real proteção do meio e desenvolvimento sustentável, o
incentivo para tais comunidades é primordial. Como forma de demonstrar a
importância do socioambientalismo, reportagem realizada pela Folha de
São Paulo, em 12 de janeiro de 2006, demonstra que Terra Indígena
protege mais que parque preservacionista, contradizendo as correntes
ambientalistas de que os parques eram melhores que reservas indígenas
para proteger a biodiversidade:
As terras indígenas são tão boas -ou melhores- que parques nacionais
para conter a destruição da mata. É a primeira vez que se mede, de fato,
um efeito que já era conhecido. Basta olhar fotos de satélite ou mesmo
sobrevoar áreas em torno do Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, por
exemplo, para ver que a devastação é muito menor dentro do que fora
dele.
Esta pesquisa corrobora para o ideal do socioambientalismo dentro da
sociedade brasileira, uma sociedade multiétnica, rica em biodiversidade e
que luta pela igualdade social, respeitando, claro, todas as
diferenças.
Dentro deste conceito, Alex Justus da Silveira ressalta que:
Dessa forma, o movimento conservacionista propõe o respeito à
diversidade cultural como base para a manutenção da diversidade
biológica, uma nova aliança entre o homem e a natureza, e a necessidade
da participação democrática na gestão dos espaços territoriais
especialmente protegidos.
Neste contexto, conforme Ana Paula Liberato, o Direito Socioambiental:
É um ramo do direito que não tem a pretensão de instaurar uma nova
disciplina jurídica, mas com a intenção de unir em uma única abordagem
indissociável as espécies de meio ambiente consagradas pela Constituição
Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente natural, meio ambiente
cultural, meio ambiente urbano e meio ambiente do trabalho. Isto deve-se
ao fato de que o meio ambiente constitui um conjunto complexo,
harmônico e interdependente de todas as formas de vida, esta relação não
afasta a interação que as formas de vidas exercem no meio em que vivem,
logo resumir a regulamentação jurídica em direito ambiental, é
proporcionar, em parte, a exclusão de discussões necessárias e
primordiais para entender a relação existente no meio ambiente.
Destarte o Direito Socioambiental é o ramo do direito que visa proteger o
meio ambiente de forma ampla, não protegendo somente o meio ambiente
natural, mas também o cultural, o urbano e do trabalho. Assim, pode-se
dizer que a biodiversidade biológica e a biodiversidade cultural são
bens protegidos pelo Direito Socioambiental.
Convenção sobre Diversidade Biológica
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento – Eco 92 foi desenvolvida o maior instrumento legal
internacional que visa a proteção da diversidade biológica , qual seja a
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), sendo que vigora no Brasil
por meio da promulgação do Decreto nº 2.519 de 16 de março de 1998.
Esta Convenção é estudada dentro do Direito Socioambiental porque ela é a
melhor ferramenta legal que elucida os princípios deste ramo do
Direito, tendo em vista que ela não visa somente a proteção do meio
ambiente em si, como também a proteção cultural das comunidades, o
artigo 8º, alínea “j” da presente Convenção dispõe que:
Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e
manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e
populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à
conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e
incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos
detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a
repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse
conhecimento, inovações e práticas.
Desta forma a própria convenção reza que as comunidades indígenas
possuem conhecimento capaz de proteger a diversidade biológica, devendo
ser incentivada a manter seus usos e costumes em prol da biodiversidade.
Ademais, conforme Francine Hakim Leal explica que:
De fato a diversidade biológica está intimamente ligada às diversas
culturas, aos sistemas de conhecimento e às formas de vida que se
desenvolveram e se mantiveram e vice-versa. Portanto, é nítida a
necessidade do reconhecimento dos direitos das comunidades locais, assim
como dos Estados, para proteger os recursos biológicos e promover a sua
conservação.
Resta demonstrado que a diversidade biológica é o suporte necessário
para a proteção da cultura das comunidades indígenas, tendo em vista que
a partir de um ambiente biodiverso os indígenas possuem mecanismos
suficientes para manter sua cultura, seja na auto-sustentação, sejam ao
ensinar as demais populações aos manejos de solo com menor potencial
ofensivo, seja no desenvolvimento de medicamentos e cosméticos ligados
ao Conhecimento Tradicional Associado.
Neste sentido o Instituto Socioambiental explica que:
Os índios têm conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade
importantes para o futuro da humanidade e, embora não sejam naturalmente
ecologistas, os recursos naturais nas suas terras estão sempre mais
preservados que nos seus entornos.
Assim como o ISA, a FUNAI explica que a regularização das terras
indígenas não é só importante para a proteção da cultura, como também
para a proteção da biodiversidade brasileira, veja-se:
O que está em evidência nos dias atuais, é o fato de que a defesa dos
territórios indígenas garante a preservação de um gigantesco patrimônio
biológico e do conhecimento milenar detido pelas populações indígenas a
respeito deste patrimônio. Por exemplo, as sociedades indígenas da
Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos
medicinais e pelo menos 90 delas já são utilizadas comercialmente. Cerca
de 25% dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem
substâncias ativas derivadas de plantas nativas das florestas tropicais.
Por isso a preservação dos territórios indígenas é tão importante,
tanto do ponto de vista de sua riqueza biológica quanto da riqueza
cultural.
Distribuídos por diversos pontos do País e vivendo nos mais
diferenciados biomas – floresta tropical, cerrado etc. – os povos
indígenas detêm um profundo conhecimento sobre seu meio ambiente e,
graças às suas formas tradicionais de utilização dos recursos naturais,
garantem tanto a manutenção de nascentes de rios como da flora e da
fauna, que representam patrimônio inestimável. A proteção das terras
indígenas é, portanto, uma medida estratégica para o País, seja porque
se assegura um direito dos índios, seja porque se garantem os meios de
sua sobrevivência física e cultural, e ainda porque se garante a
proteção da biodiversidade brasileira e do conhecimento que permite o
seu uso racional.
Para concluir a ligação existente entre a CDB e o Direito
Socioambiental, conforme o ISA “não existe biodiversidade sem
sociodiversidade” , assim resta evidenciado que a partir da
biodiversidade, as comunidades indígenas podem se desenvolverem e terem o
direito à diversidade cultural respeitado.
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