Etnodesenvolvimento
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Com o avanço da sociedade moderna, o desenvolvimento econômico trouxe
diversos problemas de ordem ambiental. Como forma de diminuir estes
problemas, foi desenvolvida a idéia de desenvolvimento sustentável ou
ecodesenvolvimento, tendo como um dos criadores deste pensamento o
economista e sociólogo Ignacy Sachs.
A partir desta idéia, constatou-se
que deve haver desenvolvimento e que os recursos naturais devem ser
explorados, todavia com um controle, gerando diversas estratégias de
economia de recurso, como a reciclagem, aproveitamento de lixo,
conservação de energia, água e recursos, manutenção de equipamentos,
entre outros.
José Eli da Veiga, com concordância com as idéias de Ignacy Sachs,
explica que a sustentabilidade ambiental:
É baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a
geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela
compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que
desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. Ele impede
ainda a buscar soluções triplamente vencedoras (isto é, em termos
sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem
obtido ao custo de elevadas externelidades negativas, tanto sociais
quanto ambientais.
Dentro dos moldes do desenvolvimento sustentável, entretanto, como forma
de desenvolver as comunidades indígenas, de uma forma diferenciada em
relação ao método das sociedades hegemônicas, em conformidade com as
perspectivas do Direito Socioambiental, nasceu o etnodesenvolvimento.
Para o criador deste termo, Rodolfo Stavenhagen, o etnodesenvolvimento
significa:
Uma etnia, autóctone, tribal ou outra, detém o controle sobre suas
próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura, e é
livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações segundo
seus interesses.
Conforme Zélia Costa, no final da década de 80, continuaram a ser
implantados os Grandes Projetos, os quais nasceram durante a Ditadura
Militar. Visavam o progresso sem levar em consideração “as
especificidades locais e as aspirações das populações que serão
atingidas” . Assim, como forma de “possibilitar oportunidades iguais de
desenvolvimento social, cultural e econômico em uma realidade
pluriétnica” surgiu o etnodesenvolvimento.
Gilberto Azanha, Mestre em Antropologia Social, explica que para a
aplicação deste conceito nas comunidades indígenas brasileiras devem-se
envolver alguns indicadores, quais sejam:
a)aumento populacional, com segurança alimentar plenamente atingida; b)
aumento do nível de escolaridade, na “língua” ou no português, dos
jovens aldeados; c) procura pelos bens dos “brancos” plenamente
satisfeita por meio de recursos próprios gerados internamente de forma
não predatória, com relativa independência das determinações externas do
mercado na captação de recursos financeiros; e d) pleno domínio das
relações com o Estado e agências do governo, a ponto de a sociedade
indígena definir essas relações, impondo o modo de como deverão ser
estabelecidas.
Pode-se então dizer que a partir de meios eficazes, permitidos pelo
etnodesenvolvimento, como aclara Gilberto Azanha, as comunidades
indígenas podem se desenvolver, serem auto-sustentáveis, em consonância
com as suas culturas e tradições.
Em conformidade com o indigenista Edívio Battistelli,
etnodesenvolvimento significa “desenvolver dentro de padrões
étnicos”(Informação Verbal) , assim cada etnia, cada comunidade, deve
possuir um padrão diferenciado de desenvolvimento e
auto-sustentabilidade.
Aplicação da Convenção 169 da OIT para o etnodesenvolvimento das
Comunidades Indígenas
A Convenção 169 da OIT, como já estudada, transformou a idéia de
assimilação da forçada dos povos indígenas, ademais conforme Marco
Antonio Barbosa, esta convenção trouxe dois princípios à questão
indígena: o etnodesenvolvimento e o direito à autodeterminação. O artigo
2º da referida convenção dispõe que:
Artigo 2o 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de
desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação
coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e
a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir
medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições
de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional
outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena
efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos,
respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e
tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos
interessados a eliminar as diferenças sócio – econômicas que possam
existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade
nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.
Ademais, o artigo 23 da Convenção elucida que o artesanato e as
atividades tradicionais devem ser reconhecidos como forma de manutenção
da cultura, bem como de auto-suficiência e desenvolvimento econômico,
sendo que é recomendado que sejam fortalecidas e fomentadas estas
atividades pelos indígenas, o que ressalta mais uma vez o
etnodesenvolvimento.
No mesmo sentido, de acordo com Marco Antônio Barbosa, o artigo 30 da
referida Convenção determina que:
Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições e costumes
dos povos interessados a fim de que conheçam seus direitos e
obrigações, especialmente no que se refere ao trabalho, às
possibilidades econômicas, às questões da educação e saúde, aos serviços
sociais (…)
Além dos citados artigos, a Convenção em sua plenitude deixa claro que
os Estados devem adotar o etnodesenvolvimento nas comunidades indígenas,
pois assim, estes povos terão a possibilidade de se desenvolverem
dentro de suas técnicas culturais, não dependendo de políticas
assistencialistas e, assim, terão direito ao multiculturalismo
respeitado.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Como estudado, o etnodesenvolvimento é um meio para proteger as
comunidades indígenas, sendo que com a aplicação dele, aliado ao Direito
Socioambiental, estes povos tem a possibilidade de se desenvolverem de
forma harmônica ao seu meio de vida, protegendo a cultura e praticando a
sustentabilidade.
Para isso devem ser criadas políticas públicas, por órgãos
governamentais ou não, para que estas comunidades não dependam de
políticas assistencialistas e não adquiram problemas sociais, como o
alcoolismo e a desnutrição.
Assim, estudar-se-ão dois projetos, o Cultivando Água Boa, desenvolvido
pela Itaipu Binacional e o Waimiri-Atroari, desenvolvido pela
Eletronorte.
Projeto Cultivando Água Boa
Para a construção da maior hidroelétrica brasileira, a Itaipu
Binacional, localizada na divisa do Brasil e do Paraguai (a parte
brasileira fica localizada no município de Foz do Iguaçu, Estado do
Paraná), no ano de 1978 iniciou o processo de desapropriação de terras
que seriam alagadas. Estas desapropriações afetaram terras localizadas
em oito municípios paranaenses, compreendendo um total de 801.220 ha,
prejudicando aproximadamente 40 mil pessoas, entre agricultores,
ribeirinhos e indígenas.
Na área da represa da Itaipu havia vários grupos indígenas, todas
pertencentes à etnia Avá-Guarani. Assim como nos casos estudados, estas
comunidades sofreram grandes problemas com a construção da
hidroelétrica.
Em 1995 foi realizado um laudo antropológico em uma das aldeias
atingidas, a Tekoha Ocoy, localizada no Município de São Miguel do
Iguaçu, por especialistas da Universidade do Rio de Janeiro, visando a
sustentar o pedido de uma terra maior e com melhor estrutura. Em tal
laudo percebe-se o sofrimento da aldeia:
Apesar do mato, este não pode ser cortado – nem os índios desejam
faze-lo. Sendo, porém, uma área reduzida, sobra-lhes pouco espaço para o
cultivo de roças, problema que se agrava com o crescimento da população
e a conseqüente formação de novas famílias que necessitam de terra para
instalar suas habitações e para a subsistência.
Este problema se dava pelo fato de terem sido transferidos a uma área
inferior a que possuíam e por ser área de proteção ambiental, não
podendo, desta forma,plantar, ou seja, não podiam se auto sustentarem,
dependendo de políticas assistencialistas para a sobrevivência.
Entretanto, a partir do Projeto Cultivando Água Boa, desenvolvida pela
própria Itaipu Binacional, foi fundado no ano de 2004 o Projeto de
Sustentabilidade das Comunidades Avá-Guarani, permitindo que as três
aldeias atingidas pela represa, Tekoha Ocoy, localizada em São Miguel do
Iguaçu, Tekoha Añetete, bem como a Tekoha Itamarã, ambas localizadas em
Diamante D’ Oeste “obtenham seu próprio sustento, sem perder o
sentimento de identidade étnica e mantendo suas tradições” ou seja,
dentro dos princípios do etnodesenvolvimento e com responsabilidade
socioambiental.
Estas comunidades são atendidas pela Itaipu Binacional, bem como por
diversos órgãos, como a FUNAI, FUNASA, Prefeitura dos Municípios,
Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), entre outros. (Informação
Verbal)
Dentro das aldeias são desenvolvidas diversas atividades produtivas,
sendo que os índios recebem orientação e cursos de capacitação e cada
grupo desenvolve uma atividade diversa, tendo como exemplo produção de
artesanato para troca por alimentos e venda; plantação de mandioca,
melancia e ervas medicinais; criações de gado, que servem para o consumo
interno e para a venda, como demonstram as fotografias:
Artesanato produzido pelas comunidades indígenas atendidas pelo projeto.
Fonte: Acervo do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça
de Proteção às Comunidades Indígenas.
Produção de melancia, onde foram colhidos 29.970 kg.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela
Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene
Curtis.
Bovinocultura, sendo que a produção mensal de leite é de aproximadamente
1200 litros por mês.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela
Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene
Curtis.
Produção de ervas medicinais, sendo que foram doadas pela Itaipu
Binacional mudas de carqueja, guaco, cipó, cidró, stevia, sabugueiro,
entre outras.
Fonte: Apresentação do Projeto Cultivando Água Boa realizada pela
Gerente da Divisão de Ação Ambiental da Itaipu Binacional, Marlene
Curtis.
Assim, as comunidades indígenas com o apoio da Itaipu Binacional
desenvolvem ações que garantem a preservação de sua cultura e tradição,
bem como sua auto-sustentabilidade, por meio das atividades citadas,
entre outras, as quais se inserem nos princípios do etnodesenvolvimento e
do Direito Socioambiental.
Projeto Waimiri-Atroari
A etnia Waimiri-Atroari, localizada ao norte do Estado do Amazonas e ao
sul do Estado de Roraima, teve seus primeiros contatos com a sociedade
“não índia” no início do século XIX. Todavia, foi durante a política
desenvolvimentista ocorrida durante o Regime Militar que estes contatos
foram mais intensos. Neste período foi construída uma rodovia dentro de
suas terras, a BR 174, que liga Manaus a Boa Vista. No mesmo local foi
instalado o Projeto Pitinga, cujo objetivo era extrair cassiterita sendo
que, devido a este fato, foram esbulhados 526 hectares de terras
indígenas. Ademais, após o Regime Militar, em 1987, foi construída pela
Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.) a Usina
Hidroelétrica de Balbina, alagando 30 mil ha de terras destes índios.
Em contrapartida, tendo como finalidade devolver, dentro do prazo de 25
anos, a independência que estes povos possuíam antes do contato com a
sociedade brasileira , em 1988 foi criado o Projeto Waimiri-Atroari,
assinado em junho daquele ano pela FUNAI e Eletronorte, por meio do
Termo de Compromisso TC-002-87.
O projeto foi elaborado por uma equipe multidisciplinar com técnicos da
própria FUNAI e Eletronorte, esta por sua foi a financiadora de todas as
ações do programa, da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, do
Instituto de Medicina Tropical de Manaus, bem como da Universidade do
Amazonas.
A primeira fase do projeto foi a demarcação de 2.585.911 ha de terras,
em consonância com estudo antropológico realizado pela FUNAI. A segunda
fase foi a implementação de programas nas áreas de educação, saúde, meio
ambiente, administração, documentação e memória, bem como apoio a
produção, sendo que em todas as ações foram respeitas a
multiculturalidade destes povos, em concordância com o
etnodesenvolvimento.
Conforme o idealizador do Projeto José Porfírio Carvalho foram
desenvolvidas, entre outras, as seguintes ações:
Desenvolvemos projetos de criação de animais silvestres como antas,
capivaras e porcos-do-mato, e implantamos uma agricultura voltada para
as culturas perenes, em vez das essências e produtos sazonais
habitualmente cultivados. O projeto inclui ainda captação de recursos
por meio da venda de artesanato indígena. Mantemos em Manaus uma loja
exclusivamente para isso.(…) Assim, há uma série de atividades
paralelas à produção direta que auxilia seu processo de
etnodesenvolvimento.
Com estas ações os indígenas tornam-se independentes, não necessitando
de políticas assistencialistas. Consoante José Porfírio Carvalho,
atualmente estes indígenas consomem em média R$36,00 em bens não
produzidos por eles, como o combustível. Todo o consumo restante é
produzido na própria aldeia, desde alimentação até utensílios domésticos
e artesanato, sendo que todas as atividades são desenvolvidas dentro de
seus padrões culturais, mantendo “todos os processos reprodutivos de
sua cultura, as roças são construídas de forma a suprir a necessidade de
alimentos.”
Com estas atividades a comunidade indígena Waimiri-Atroari aumentou seu
crescimento vegetativo, tendo em vista que no ano de 1987 havia 374
pessoas, em contrapartida no final do ano de 2007 havia 1232 indígenas, o
que revela um crescimento de 5,1 % ao ano, um dos maiores do mundo.
Ademais, nas 19 aldeias não há existência de alcoolismo, tampouco outro
problema social.
Ressalta-se que todas as atividades produtivas são desenvolvidas a
partir de critérios tradicionais de manejo ecológico do solo, sendo
cultivadas variadas espécies agrícolas e frutíferas tradicionais,
respeitando o ecossistema regional. Estas atividades, associadas às
diversas outras incluídas no projeto, mostra que os Waimiri-Atroari
possuem hoje:
Consciência lúcida e soberana de seus direitos, de seu lugar no mundo,
de sua autogestão política e cultural, em defesa de sua cidadania
étnica. E nos dão a ver, com eminente presença de espírito, que
políticas indigenistas devem se fundamentar no respeito às diversidades
culturais; que tenha terra indígena demarcada e regularizada, não é
nenhum empecilho para o desenvolvimento do país; e que nenhum povo deve
estar fadado à exclusão do bem comum, tendo em vista o potencial de
recursos que todos poderemos generosamente usufruir, construindo de sol a
sol o destino épico da multiétnica nação brasileira.
Desta forma, revela-se a importância do etnodesenvolvimento das
comunidades indígenas, posto que a partir deste meio estes povos
tornam-se independentes da sociedade “não índia”, podendo viver dentro
de seus costumes, respeitando suas características culturais e mantendo o
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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