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História

GOVERNO GENERAL MÉDICI

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O governo de Costa e Silva (1967-1969), já o dissemos, esteve de tal maneira envolvido em problemas políticos e político-militares que não lhe sobrou tempo para a administração. Ou foi quase isso, porque a equipe econômica, com Delfim Neto no ministério da Fazenda e Helio Beltrão no Planejamento, longe dos holofotes, completou o trabalho de saneamento iniciado por Castelo Branco.

Assim, ao assumir a Junta Militar, o Brasil já se achava praticamente recuperado e dava os primeiros sinais de crescimento, iniciando um período fastigioso, que ficou conhecido como o do “milagre econômico brasileiro”.

Era uma bolha de sabão, grande, colorida e brilhante, fascinando a todos e, embora sem consistência para se sustentar por muito tempo, serviu para iluminar o governo Médici, escondendo os reais problemas do país, que o levaram mais tarde à recessão e aos anos oitenta, conhecidos como a “década perdida”.

Mas, no início dos anos setenta, quase tudo era festa. O Brasil ganhou a Copa do Mundo; já havia sido feita a integração da Guanabara com o Rio de Janeiro em um só Estado, simbolizada pela a inauguração da ponte Rio-Niteroi; o mar de 200 milhas era assunto de todos os dias, no Brasil e fora dele; estávamos construindo a rodovia transamazônica que, num segundo tempo, seria estendida até o oceano Pacífico; após ela se faria outra, transversal, cortando a selva de norte a sul, e mais outra, ocupando a calha norte do rio Amazonas.

O Brasil transformou-se na décima potência industrial do mundo e, como garantia a propaganda, no ano 2000 seríamos já a terceira potência, superados apenas pelos Estados Unidos e Japão.

Por trás desse crescimento, misturado a forte dose de ufanismo, a outra verdade, que a censura escondia dos olhos e ouvidos dos brasileiros: a perseguição política, a tortura e a morte.

As guardas-civis foram extintas; as forças públicas foram substituídas pelas polícias-militares, subordinadas ao Exército, onde foi criado um órgão denominado “Inspetoria Geral das Polícias Militares” (IGPM), encarregado do “planejamento, treinamento, armamento e efetivo das polícias militares estaduais”; surgiram milícias paramilitares, como o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e o Esquadrão da Morte.

Dos Estados Unidos, vieram “assessores agrícolas” (o mais conhecido foi Dan Mitrioni), cuja função era treinar nossa polícia civil na prática da repressão. O apogeu aconteceria com a ativação do DOI-CODI (Destacamento de Operações Internas – Comando Operacional de Defesa Interna), subordinado ao Exército, com tamanha liberdade de ação que acabou escapando do controle do próprio governo.

Os anos setenta foram os anos de contradição. A partir de 1975, demos os primeiros passos para a abertura política, mas, na prática, a regra geral foi repressão violenta que se estendeu por todo o período; foi a década do desenvolvimento, mas, ao final, iniciou-se forte retração, causada pelo embargo do petróleo, cuja produção no país não representava mais que 25 por cento do consumo.

1970 foi a década das grandes obras, que acabaram se transformando em “elefantes brancos” e aumentaram prodigiosamente nossa dívida externa. Foi a década do sucesso em todas as áreas, entretanto, provocou a paralisação econômica do país por mais de vinte anos; garantiu o pleno emprego, registrou altos índices de crescimento econômico, mas não evitou a miséria e o aumento da concentração de renda nas mãos de uns poucos.

1970 foi, afinal, a década do medo. Sem cidadania, suspensas as garantias constitucionais com o AI-5, introduzidas na Constituição de 1969 a pena de morte e a de prisão perpétua, qualquer indivíduo, militante político ou não, criminoso ou não, estava a mercê do arbítrio, embora muitos nem chegaram a se aperceber disso. Um arbitrio que se tornava mais forte porque o comando central, em Brasília, sequer tinha conhecimento do que efetivamente se passava nos pontos mais distantes da cadeia de comando.

Radicalizando a censura aos meios de comunicação e com os ventos soprando a seu favor, o presidente Médici reinou, então, soberano e absoluto, contabilizando a favor de sua imagem aqueles poucos anos das “vacas gordas”.

O apogeu do Sistema

Com a doença do presidente Costa e Silva, mais o veto à posse do vice-Presidente e o impedimento de toda a linha sucessória (presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do Supremo), o Sistema assume o poder de fato e de direito.

A eleição do novo presidente da República se assemelha em muito, neste momento, à escolha de um Papa: forma-se um colégio de “cardeais”, com 107 oficiais das Forças Armadas, em nível de general-de-exército (4 estrelas), com seus equivalentes na Marinha e na Aeronáutica, que apresentam, cada qual, uma lista tríplice de preferidos. Esse colégio é, então, afunilado nomeando-se um grupo de apenas 7 oficiais que examinam todas as listas, chegando ao resultado final.

Aparece, por fim, a fumaça branca, na chaminé do convento. O processo para a escolha do comandante supremo está completo e a nação pode respirar em paz.

O nome apontado na maioria das listas e que recebe o veredicto do colégio maior como novo Presidente é o do general Emílio Médici, completando-se a chapa com um dos próprios componentes da Junta Militar, o almirante Augusto Rademaker, que foi escolhido para vice-Presidente.

Os outros dois membros da Junta também se introduziram no governo. O brigadeiro (agora marechal-do-ar) Márcio de Souza aparece como ministro da Aeronáutica. O chefe da Junta, general Lira Tavares, é nomeado embaixador do Brasil na França, justamente o país que mais se insurgia contra militarização do regime brasileiro.

Resolvida a etapa de escolha do novo Presidente, falta ainda preencher uma simples formalidade, que seria até dispensável, a não ser pela preservação da imagem do Brasil no exterior: nos termos do AI-5, Congresso, que se achava fechado, foi convocado pela Junta Militar para reassumir suas funções e homologar os dois nomes escolhidos. Tudo se faz protocolarmente, e sem maiores restrições.

Em 30 de outubro de 1969, enquanto o presidente Costa e Silva padecia em seu leito de morte, assume a presidência da República o general Médici, para um mandato de 4 anos e meio, ou seja, até 15 de abril de 1974.

Quem era Médici

Emílio Garrastazu Médici nasceu em Bagé em 4 de dezembro de 1905. Da mesma forma que seus antecessores (Castelo Branco e Costa e Silva) fez seus primeiros estudos no Colégio Militar de Porto Alegre, formando-se oficial pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. Tornou-se general-de-brigada (duas estrelas) em 1961.

Durante o movimento militar de 1964, seu nome ganha algum destaque, pois era, naquele momento, o comandante da Academia Militar de Agulhas Negras, uma escola de oficiais fundada por D.João VI e situada num ponto estratégico, na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro. Foi ali que aconteceu o encontro das tropas de Minas e São Paulo com o Regimento Sampaio, que viera supostamente para dar-lhes combate, mas que juntou-se aos rebeldes, voltando vitoriosamente ao Rio de Janeiro.

No início de 1969, é promovido a general-de-exército (quatro estrelas) o que o capacita a disputar a presidência da República, tanto mais que, sendo um militar voltado para a profissão, pouco conhecido do grande público e sem ter nunca participado de facções dentro do Exército, aparecia como um precioso elemento de ligação dentro do Sistema.

Logo em março de 1969 foi nomeado comandante do 3º Exército, em Porto Alegre, um dos pontos mais vulneráveis do esquema militar. De lá, começavam as articulações políticas para nomeá-lo ministro do Exército, em substituição ao general Aurélio de Lira Tavares, mas os entendimentos foram subitamente cortados com a doença do presidente Costa e Silva, que precipitou os acontecimentos e antecipou o problema sucessório.

A partir de então, ocorreram os fatos já do conhecimento de todos: a Junta Militar assume, a escolha do novo Presidente recai sobre o nome de Médici, que toma posse em 30 de outubro, 49 dias antes da morte do presidente Costa e Silva.

Médici era casado com dona Scylla Gaffré Nogueira e tinha dois filhos: Sérgio e Roberto.

O Ministério

O novo Ministério ficou assim constituído: Relações Exteriores, Mário Gibson Alves Barbosa, ex-aluno da Escola Superior de Guerra; Justiça, Alfredo Buzaid, advogado em São Paulo; Fazenda, Antônio Delfim Neto, de São Paulo, com interinidade de Flávio Pécora; Indústria e Comércio, Fábio Riodi Yassuda, substituído depois por Marcos Vinícius Pratini de Morais; Agricultura, Luís Fernando Cirne Lima, agrônomo, do Rio Grande do Sul; Transportes, coronel Mário Daví Andreazza; Interior, general José Costa Cavalcanti; Trabalho e Previdência Social, Júlio de Carvalho Barata (ex-aluno da Escola Superior de Guerra), com interinidade de Armando de Brito;

Educação e Cultura, coronel Jarbas Gonçalves Passarinho; Saúde, Francisco de Paula da Rocha Lagoa, ex-aluno da Escola Superior de Guerra; Planejamento e Coordenação Geral, João Paulo dos Reis Veloso, formado em economia pela Universidade de Yale, EUA; Comunicações, coronel Higino Corsetti; Minas e Energia, Antônio Dias Leite; Exército, general Orlando Geisel; Marinha, almirante Adalberto de Barros Nunes, tendo na interinidade o almirante Antônio Borges da Silveira Lobo; Aeronáutica, marechal-do-ar Márcio de Souza Melo, substituído depois pelo brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo; Casa Militar, general João Batista de Oliveira Figueiredo, que fora chefe de gabinete de Médici tanto no SNI como no 3º Exército; Casa Civil, João Leitão de Abreu, gaúcho, advogado e cunhado do chefe da Junta Militar, general Lira Tavares.

Delfim Neto veio do governo anterior, artífice que fora da estabilidade econômica. Também a Junta Militar garantiu sua influência no governo, não só com vice-Presidente, almirante Rademaker, como com ministro da Aeronáutica, marechal Souza Melo e com Lira Tavares, embaixador na França.

O ministério de Médici conservou as mesmas particularidades do governo anterior: de um lado, a estabilidade, pois não houve praticamente substituições nos 4 anos e meio de governo; de outro, a presença de militares em pastas civis.

Aliás, a presença de militares na administração civil não se deu apenas no ministério. Eles marcaram presença na direção e em cargos de segundo escalão em vários setores de governo, bem como nas estatais, caracterizando a militarização da administração pública.

Mas há também outra característica: os ministros, militares ou não, são técnicos e não políticos. Inicia-se a era da tecnocracia (ou tecnoburocracia como queriam alguns), que marcaria também os governos seguintes.

Os anos de progresso econômico

Logo em seu início, o governo Médici começou a colher os frutos do ajuste econômico que vinha sendo feito desde 1964, dentro das rígidas normas do Fundo Monetário Internacional que, pela primeira vez, deitou e rolou sobre a economia brasileira.

O FMI já tentara gerenciar as contas brasileiras com Juscelino Kubitschek, em 1958, e o resultado foi o rompimento unilateral, por iniciativa nossa. A efemeridade da Presidência nas mãos de Jânio Quadros não permitiu o início de negociações mais sólidas e, com João Goulart, a anarquia total impedia um plano econômico nos moldes do FMI.

Com Castelo Branco e Costa e Silva, a cartilha foi seguida à risca e, malgrado a recessão e o desemprego registrados a partir de 1965, com semi-paralisação da indústria e do comércio, malgrado também as tensões sociais contidas pelo autoritarismo, os resultados positivos já se faziam sentir ao início do período Médici.

O crédito do Brasil no exterior estava restabelecido. Era a época do dinheiro farto no exterior, de muitos aplicadores para pouco mercado. As ofertas de empréstimo chegavam pela linha do telex e eram aceitas pela mesma via. Os capitais voltavam a aportar ao Brasil, tanto na forma de empréstimos a médio prazo como em investimentos industriais no país.

Do choque ortodoxo dos anos sessenta, passamos ao plano heterodoxo dos anos setenta. A ordem agora era consumir para aumentar as vendas, gerando novos pedidos às indústrias que, assim, tinham de contratar mais mão-de-obra, aumentando a renda dos trabalhadores que, por sua vez, incrementava o consumo, gerando novos pedidos.

A situação tornou-se, pois, quase surrealista. Empregados que, até então, seguravam seus empregos a custa de sacrifícios pessoais, passaram a demitir-se espontaneamente, buscando novas oportunidades que lhes eram oferecidas.

Havia falta de mãos-de-obra. Uma empresa da construção civil em São Paulo contratou duplas sertanejas para cantar em praças públicas. Em volta se formava um pequeno público apreciador do gênero e, então, eram distribuídos folhetos anunciando ofertas de empregos para pedreiros, carpinteiros e outros.

Uma indústria recém construída em Osasco (Grande São Paulo) mandou divulgadores à porta de outras fábricas, com folhetos em que convidava os empregados destas para comparecer à inauguração da nova unidade e conhecer a oportunidade de novo emprego.

Foi um período de ouro para os departamentos de vendas. Agora, eram os compradores que batiam à porta dos vendedores, suplicando por um aumento de cota, ou pedindo a antecipação de entrega de mercadorias já encomendadas. Como conseqüência natural, já que o parque industrial não podia ser ampliado do dia para a noite, começaram a faltar matérias primas, gerando alguma pressão inflacionária, ainda que sob controle.

Era o milagre econômico que chegava ao país. Por detrás dele, havia, entretanto, um controle governamental contendo a ação sindical, proibindo greves e manifestações, controlando reajustes salariais e “fabricando” índices de inflação que não batiam com a realidade do dia-a-dia. Mas havia emprego pleno e isso desarmava os sindicatos em sua luta por melhores salários.

A realidade, por trás da fantasia

Escreve E.A.Vieira em seu livro “A República Brasileira”: “O governo Médici usou à vontade da propaganda política, destacando o crescimento do país. Desenvolvia nas mentes a imagem de grande potência, cujo retrato era o ‘Brasil Grande’.

Na realidade, entre 1968 e 1973, houve um período de crescimento industrial. O Produto Interno Bruto passou de 4,8% em 1967 para 14% em 1973. Em seguida, o Produto Interno Bruto caiu para 9,8% em 1974, e para 5,6% em 1975. Ao mesmo tempo em que o Produto Interno Bruto se elevava, a taxa de inflação manteve-se, ao longo desse período, numa média de 20%. Em se tratando da inflação brasileira, esta taxa era bastante razoável.”

E prossegue, mais adiante: “Dentro do período do ‘milagre econômico’ as condições pioraram para quem trabalhava. Em 1969, a produtividade real foi de 5,9, mas os reajustes salariais tiveram seu cálculo com base em 3,0. Em 1971, a produtividade real foi de 8,1, mas os reajustes salariais tiveram seu cálculo com base em 3,5. Em 1973, no fim do governo Médici, a produtividade real foi de 8,4, mas os reajustes salariais tiveram seu cálculo com base em 4,0. (…)

“Em 1969, eram necessárias 110 horas e 23 minutos a fim de comprar-se a alimentação mínima (…) Em 1973, eram necessárias 147 horas e 4 minutos para comprar-se a mesma alimentação. Em nome do ‘milagre brasileiro’, ou do crescimento do ‘bolo’, a maioria da população trabalhava mais para comer.”

Faça-se, porém, um reparo importante: havia, como dissemos, pleno emprego. Numa casa com 5 pessoas em condições de trabalho, as 5 estavam trabalhando e, por conseqüencia, a renda familiar aumentara de fato. Se os salários fossem mais altos mas, em contrapartida, duas pessoas estivessem trabalhando e as outras 3 desempregadas, a renda familiar cairia brutalmente. Esta foi, além da repressão, uma das causas pelas quais o trabalhador aquietou-se, conformando-se com a visível compressão de seu salário: a renda familiar aumentou substancialmente.

A taça do mundo é nossa

Em junho de 1970, a TV brasileira entra na era das transmissões mundiais via satélite. Na antena parabólica em Itaboraí (Rio de Janeiro), as imagens chegam a cores. No resto do Brasil, a televisão continua em preto e branco mas, ainda assim, o avanço é sensacional. Pela primeira vez, o brasileiro pode assistir a Copa do Mundo ao vivo, diretamente do México, e ver as “feras do Saldanha” em campo, em tempo real.

Primeiro jogo, primeiras emoções: o Brasil vence a Tchecoslováquia por 4 a 1. E, no jogo final, repete-se a façanha: o Brasil goleia também a Itália, com o mesmo resultado. No campo, as “feras”: Tostão, Gerson, Rivelino, Clodoaldo, Pelé…

A seleção brasileira não foi um improviso, antes, resultou de uma operação de guerra em que o governo interferiu, passo-a-passo, para garantir a vitória, importante para o “marketing” da revolução. Por ordem do governo, a CDB (Confederação Brasileira de Desportos) criou a COSENA (Comissão Técnica Selecionadora), limitando ao técnico a possibilidade de escolher livremente os jogadores. E foi com essa equipe que o Brasil experimentou suas primeiras vitórias nas eliminatórias: 5 a 0 contra a Venezuela, em Caracas; 6 a 2 contra a Colômbia, no Rio…

Há, também, interferências pessoais. O presidente da República exige, em certo momento, que seja escalado Dario, o “peito de aço”, e recebe a cortante resposta de João Saldanha, dada pelo mesmo mensageiro: “Diga ao Presidente que ele escolhe seus ministros e eu escolho os meus jogadores”. Saldanha é demitido da seleção, por ordem do Presidente e, em seu lugar, fica o técnico Mário Lobo Jorge Zagalo, que incluiu Dario no elenco, firmando-se a paz entre as partes.

Durante os preparativos, Médici oferece um almoço aos jogadores no Palácio das Laranjeiras e fala a cada um deles como torcedor bem informado: “Como bom entendedor – reporta um jornal – o Presidente dirigiu-se a cada um dos jogadores de forma especial: saudou a ‘canhotinha’ de Gerson, manifestou esperança nos gols de Dario, perguntou pelo olho de Tostão e dispensou a apresentação a Pelé (‘Este eu já conheço muito’). Everaldo mereceu um cumprimento especial e foi apresentado pelo próprio Presidente a dona Scylla (esposa de Médici): ‘Afinal de contas, ele vai representar nosso Grêmio lá no México’.”

É com Zagalo que o Brasil conquista o tricampeonato. A Copa Jules Rimet é nossa para todo o sempre (até que, mais tarde, fosse roubada e derretida). A seleção chega ao Rio de Janeiro em 23 de junho de 1970, sob o delírio do povo. E para não faltar ninguém às ruas, foi decretado feriado nesse dia.

O presidente Médici sai à frente do palácio e ensaia uns passes, diante dos fotógrafos e cinegrafistas para mostrar que também é bom de bola. Ou, melhor, que é bom de propaganda. Acabava de faturar mais um lance, que aumentaria sua popularidade, obliterando o lado negativo de seu governo.

De permeio, alguns lances folclóricos. O Brasil exige da FIFA que a nova taça, a ser usada em 1974, passe a se chamar “Taça Edson Arantes do Nascimento”, o que evidentemente não foi aceito. Em São Paulo, o prefeito Paulo Salim Maluf usa dinheiro público para presentear todos os jogadores com carros zero-quilômetro, ocasionando-lhe um processo que se estendeu por mais de vinte anos e que o obrigou a depositar o valor correspondente em juízo. Por fim, foi absolvido.

A ilusão da Transamazônica

Uma das obras mais importantes no plano de governo era a construção da rodovia Transamasônica, cantada em prosa e verso como a redenção da Amazônia. Uma imagem colorida era transmitida à população, de uma estrada asfaltada e moderna, cortando o país de leste a oeste, cercada de um lado e do outro por agrovilas com bem-sucedidos agricultores, os quais encontravam apoio governamental para escoar sua produção, trazendo a grandeza econômica do país.

Os sacrifícios para a construção eram imensos, mas o capital, que chegava do exterior na forma de empréstimos, permitia todos esses excessos de propaganda. Enormes tratores eram transportador até a selva bruta, sabe Deus como. Na ausência de mão-de-obra especializada, treinava-se o trabalhador comum, habilitando-o a manejar aqueles gigantes destruidores de árvores e desbravadores de novos trechos de estrada.

Algumas agrovilas foram realmente feitas com planejamento e aplicação de recursos: moto-serras, tratores, implementos agrícolas, etc., constituindo-se na base da propaganda oficial. Isto só para algumas agrovilas, que serviam de protótipo.

No mais, o homem desbravador, geralmente vindo do nordeste, era jogado à terra bruta com um mínimo de recursos para garantir sua sobrevivência e, no pouco espaço que conseguia abrir com a força dos próprios braços e os golpes do seu machado, nada mais obtinha que uma agricultura de subsistência, sem perspectiva de futuro.

Assim, da Transamazônica, apenas alguns trechos, próximos a cidades já existentes e já com vida própria, chegaram de fato a se desenvolver. O restante acabou sendo engolido pelo mato e pela erosão. O sonho da grande rodovia era outra bolha de sabão que estourou bem antes do previsto. E a conta, representada pelo aumento da dívida externa, ficou por pagar.

Esse mar é meu, leva teu barco pra lá

Outra iniciativa do governo Médici, que produziu anos de discussões com a comunidade mundial (e também uma música ufanista) foi a decisão unilateral de ampliar o nosso mar territorial de 12 milhas para 200 milhas, inclusive em torno de nossas ilhas marítimas, como Fernando de Noronha, o Atol das Rocas, Trindade e Martim Vaz.

Afora a propaganda favorável ao governo, um dos objetivos concretos era manter afastados sobretudo navios de pesca, que se aproximavam demasiado de nossa costa e, quando conveniente, invadiam nossas águas, causando problemas diplomáticos e, por vezes, um confronto armado com os invasores.

Outro objetivo era preservar as riquezas porventura existentes em nossa plataforma continental, que apresenta uma largura média de 90 quilômetros, cinco vezes mais longa que as 12 milhas (18 quilômetros) de nosso mar territorial.

Como era de se esperar, nossa pretensão provocou a maior reação das potências mundiais, sobretudo Estados Unidos, que consideravam essas águas importantes para o patrulhamento do oceano; também da França e do Japão, países interessados na pesca dentro do território assinalado.

Depois de uma tensa e longa negociação, que despertou também o interesse de outras nações do terceiro mundo, interessadas em apoiar a posição brasileira, em 1982, foi estabelecida a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Com base nela, em 1983, o presidente Itamar Franco assinaria a Lei Federal nº8617 pela qual o nosso mar territorial, de soberania total, permanece de 12 milhas, como antes; mas, além dessa faixa, o Brasil garante a reserva de mais 188 milhas com soberania restrita à exploração econômica e à gestão dos recursos naturais. Alem dessas 200 milhas (12 + 188), o alto mar permanece internacional, com liberdade de pesca e pesquisa científica a todos os países do globo.

Estudantes enfrentam o regime

Nem tudo era paz no governo Médici. Se, de um lado, conseguia manter os trabalhadores sob controle, de outro, os estudantes protestavam contra a perda de espaço, cada vez maior.

Já no governo Castelo Branco, a Lei 4.464/64, conhecida como Lei Suplicy (o ministro da Educação era então Flávio Suplicy de Lacerda) proibiu as organizações estudantís de exercerem suas atividades e, no lugar delas foi criado o DNE-Diretório Nacional de Estudantes, pelo qual se pretendia controlar a vida estudantil.

Ao final do governo Costa e Silva surgiu o famigerado Decreto-Lei 477/69, proibindo estudantes, professores e funcionários de escola de realizarem manifestações políticas. O governo Médici foi além, proibindo qualquer manifestação estudantil, política ou não. Cassados os direitos de cidadania, foi-lhes retirado até o direito de pensar, como se pensar não fosse um ato natural de quem estuda.

A contestação estudantil ao regime e a repressão que daí adveio serão assunto de capítulo aparte. Mas, apenas para ilustrar, reproduzimos nos tópicos seguintes algumas impressões e um depoimento insuspeito sobre o assunto.

O depoente é Iberê de Matos, um oficial do Exército, bem ligado ao regime. Iberê estudou com Castelo Branco na Escola Militar do Realengo, foi prefeito de Curitiba, ocupou altos cargos de governo e escreveu um livro exaltando as qualidades do presidente Médici. Sua posição em relação ao regime, pois, tem de ser considerada como equilibrada e não contestatória.

A juventude insatisfeita

Em artigo publicado no jornal “O Estado do Paraná”, edição de 11 de fevereiro de 1973, após analisar a rebeldia generalizada dos jovens nos anos sessenta e seus efeitos junto aos estudantes brasileiros, comenta:

“Menos exageradas que as dos hippies e assemelhados, surgiram outras reações, principalmente nos meios estudantis e universitários, menos radicais, mas que explodiam nas ruas. Parecia que havia sido inoculado o germe da rebeldia em toda a mocidade, que se agitava e não admitia repressões (…)

Ninguém poderia contestar a esses contestadores o direito de exigirem uma explicação, que não lhes era dada, e assim cresciam em progressão geométrica e acabaram explodindo numa reação em cadeia. O fato é que todos eles sabiam o que não queriam, num direito à negativa, imolados, como eram os animais, nos rituais religiosos primitivos.

“Esses moços, que iam às passeatas com suas namoradas ou simplesmente colegas, e que promoviam agitações de rua, de difícil explicação racional, não poderiam ser contidos nos seus impulsos por patadas de cavalos ou tiros de metralhadoras, sabendo-se que havia sido atingido um grau de histeria coletiva em que falam mais alto os instintos selvagens, que existem adormecidos em todos os seres humanos.”

Os estudantes e a cavalaria

Iberê, então, ilustra com um testemunho próprio, narrando um fato ocorrido ainda no governo Costa e Silva:

“Foi espantoso e assustador o que vi. Estava sendo realizada uma passeata de estudantes na avenida Rio Branco, no Rio, com cartazes realmente agressivos e alguns até espirituosos. Não havia dúvida alguma sobre o fato de estarem aqueles moços empolgados pela demonstração de coragem e virilidade que estavam dando, principalmente porque era grande o número de mocinhas, muitas abraçadas com seus destemidos colegas ou namorados, havendo também muitas que ainda eram meninas. Era machismo da parte deles e solidariedade carinhosa o que delas partia como estímulo.

“De repente, surge a investir contra eles a Cavalaria da Polícia, com espadas desembainhadas e a distribuir patadas de cavalos e golpes de espada, como se tivessem pela frente uma horda de facínoras perigosos. As janelas dos escritórios da avenida estavam apinhadas pelos que assistiam à passeata, pois todos pararam de trabalhar, num trecho em que todos os prédios eram de mais de dez pavimentos.

Gritos de protesto surgiam de todos os lados, e de cima também, porque na carga desvairada dos policiais não eram respeitados nem os que somente estavam assistindo, como curiosos, sendo atingidos até alguns que estavam censurando a atitude dos jovens e mesmo vaiando.

“Quando foi completada a missão terrorista, com debandada geral e muitos feridos, os cavalarianos receberam uma ordem de meia-volta. Foi a partir desse instante que se iniciou o mais impressionante espetáculo de repúdio que assisti em toda a minha vida. Imagine-se a tropa da cavalaria cumprindo a ordem e sendo obrigada a percorrer, de volta, uma avenida como a Rio Branco, que não é muito larga, com prédios dos dois lados formando muralhas e se assemelhando a uma estreita garganta entre paredões altos, nos quais milhares de pessoas estavam postadas, aguardando a passagem dos selvagens agressores.

“Os cavalarianos iniciaram a marcha de retorno, a princípio em trote apressado que, pouco a pouco, foi se transformando em galope de fuga, com o acompanhamento de um coral estridente de vaias que estrugiam como chicotadas de protesto. Imagine-se ainda a surpreendente cena de uma chuva de objetos, os mais estranhos, como um metralhar de petardos improvisados e uma descarga de ódio sobre aqueles primaríssimos profissionais da repressão burra, que se viam transfigurados em demoníacos algozes, no cumprimento de ordens superiores.

“Aquela gente revoltada lançava do alto, sobre eles, tudo o que estivesse ao alcance das mãos e se via, como projéteis arremessados, desde cinzeiros, vasos, copos, jarras, cadeiras, livros velhos, enfeites de escritório, espátulas e muitas outras peças, até máquinas de escrever e rolos de papel higiênico, num desabafo incontido da gente dos escritórios.”

Perguntas sem resposta

Arrematando o artigo de que estamos reproduzindo uns trechos, Iberê de Matos, ainda que defendendo o regime, faz várias perguntas para as quais não encontrou resposta:

“Seria mesmo essa a repressão aconselhável contra meninos e meninas em grande maioria? Seria justificativa aceitável o de saber, e era verdade mesmo, que entre eles houvera a infiltração de agitadores subversivos? Seria construtiva ou preventiva da desordem essa violência, com repercussões negativas até para os que reprovavam as passeatas?

“Não teria de ser considerada a hipótese de que muitos desses rapazes, meninos e meninas, pertenciam a famílias que apoiaram a revolução, justamente por terem nela visto um final das agitações e angústias que os atormentavam?

“Não teria de ser previsto o impacto causado nas mães aflitas ao verem chegar em casa uma filha ainda menina e ferida, sabendo-se que, para as mães, aquelas mocinhas ou meninas ainda eram consideradas como seres indefesos, mesmo que, lá fora, estivessem tomando atitudes adultas?

“Não teria de ser considerado o fato de que, a partir daquele momento, para os parentes e amigos desses jovens espancados, estava sendo criada uma incompatibilidade de ordem emocional?

“Não seria lamentável que essa incompatibilidade estivesse surgindo justamente entre gente simples e boa e um grupo de homens, bem intencionados, que estavam tentando, desesperadamente, conseguir um clima de tranqüilidade para o país?”

O episódio foi presenciado por Iberê de Matos que, repetimos, era um oficial do Exército, exercendo atividades políticas dentro do governo revolucionário, não havendo, pois, qualquer exagero em sua narrativa. Também não era um fato isolado. A norma estabelecida para reprimir manifestações era não economizar no uso da força, com vistas a acabar com as manifestações e, paralelamente, criar um clima de temor capaz de desestimular outros movimentos do gênero.

Conclusão

Com uma rígida censura aos meios de comunicação, geralmente de forma insidiosa e indireta, mas em alguns casos com a presença dos censores nas redações, foi possível ao governo Médici controlar o noticiário, filtrando os fatos que poderiam chegar ao conhecimento do público.

Assim desinformada, não é de estranhar que a população brasileira acabou criando uma imagem favorável do Presidente e do regime que ele representava. O levantamento de opinião pública feito pelo IBOPE em julho de 1971 apontava um apoio ao governo na ordem de 82 por cento, índice jamais alcançado por outro Presidente, antes e depois de Médici.

Dentro do calendário eleitoral, o Sistema apresentou como sucessor o nome do general Ernesto Geisel, irmão do ministro do Exército, Orlando Geisel. Como seu Vice, foi apontado o general Adalberto Pereira dos Santos. A oposição apresentou uma candidatura de protesto com Ulisses Guimarães para presidente e Barbosa Lima Sobrinho para vice. Simples manifestação de protesto, pois as cartas já estavam marcadas a favor dos candidados do Sistema.

Foi assim que o general Ernesto Geisel tomou posse na presidência da República em 15 de abril de 1974, com a difícil missão de iniciar a abertura política, uma abertura lenta, segura e gradual, como ficou definido.

Ainda que à custa de um forte endividamento externo, o governo Médici deixou um saldo positivo de realizações: o aumento das exportações com a diversificação dos produtos exportados; a pavimentação de rodovias por todo o país; a criação de polos petroquímicos e a expansão da indústria siderúrgica; finalmente, o acordo com o Paraguai para a construção da usina de Itaipu, na ocasião a maior do mundo.

Emilio Médici morreu no Rio de Janeiro em 9 de outubro de 1985. Quatro anos depois, começavam a aparecer os documentos da repressão e as ossadas das vítimas do regime, trazendo a público a face oculta da lua, jamais iluminada pelo sol da verdade. Triste réquiem para um feliz e popular Presidente. Que a terra lhe seja leve.

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